Sabem quando os planos são mal feitos? Pronto, foi o que nos aconteceu!
Assim que chegámos percebemos logo que Cabo Polónio é especial, mas também que íamos ficar tempo demais. Cabo Polónio é uma eco reserva para proteção de leões e lobos marinhos, que ocupam umas ilhas em frente ao farol e uma zona rochosa junto a este. Para preservação das dunas está proibida a utilização de materiais de construção exceto madeira.
O Erro
Nós reservamos a estadia de três noites no Booking. Foi o nosso erro. Em cabo Polónio, pelo menos nesta época do ano, pode-se chegar sem reserva e escolher o alojamento à chegada, sem perder dinheiro por isso. O “hostel” escolhido é longe do centro, é um dormitório sobrelotado em que há camas junto à cozinha, e o sótão está inundado de colchões. Aquilo que o proprietário chama de quarto privado, que nós infelizmente reservamos, é uma parte do sótão com um colchão e placas de madeira a separar esta área das restantes, com uma cortina a fazer de porta. Sem sucesso, ainda tentámos trocar já depois de pagar. Apesar de tudo, o problema maior nem foi a zona de dormir. Sabemos que ter casas destas limpas é difícil, os turistas podem ser bastante desordeiros. Mas trabalho é trabalho, a limpeza não pode falhar.
Ah, e os mosquitos… Voam o tempo todo por cima da “cama”. Mesmo com o nosso mosquiteiro montado sente-se que eles estão a rodear tudo. E ainda não percebemos como conseguem sistematicamente entrar dentro do mosquiteiro (talvez pelas aberturas nas tábuas do soalho). Faz sentido que existam mosquitos, afinal falamos de natureza, praia e águas paradas em charcos. Pena os sapos que cantam de noite não darem conta do banquete que têm ao dispor.
A praia não será das melhores em que estaremos nesta viagem. É semideserta, mas falta o ar paradisíaco e água mais quente do que no Algarve. Falta também o espírito de a manter limpa, e nem dizemos limpa de lixo humano, mas de lixo que vem trazido pelo mar, como as carcaças de leões marinhos que morrem. Em 5km de praia vimos mais de 40 corpos, uns em avançado estado de decomposição e outros já em esqueleto. É desagradável passear pela areia em zonas onde mais de 100 kg de carne se estão a decompor. Eles dizem descontraidamente que antigamente os guardas da reserva retiravam os corpos, mas agora não.
O que nos deslumbrou
Vimos golfinhos, leões e lobos-marinhos, e o plâncton, com o seu fenómeno de luminescência.
Do farol, a estrutura mais alta (entrada 30 pesos), vimos algo que nos intrigou. Um pequeno grupo de golfinhos ia surgindo aos pares junto aos leões-marinhos. Quando se aproximavam, os leões mergulhavam e nadavam junto com os golfinhos. Depois, lá voltavam para os seus banhos de sol nas rochas. O farol é monumento nacional, desde 1976. São 132 degraus até à vista panorâmica.
O leão marinho tem uma zona do cabo reservada só para si. Nem sempre foi fechada, mas já sabemos como são os turistas, sem barreiras vão até onde podem, nem que seja a invadir o espaço do animal (lemos em blogues que tiravam as fotos a três passos do animal). Agora podemos ficar sentados nas rochas mais altas a observar os leões. Ouve-se também o seu ruído, semelhante a adeptos num jogo de futebol, proveniente das duas pequenas ilhas desertas, habitadas apenas pelos leões-marinhos.
À noite, se o céu estiver limpo, Cabo Polónio é magnífico. Sem luzes artificiais por perto, o céu é tão límpido quanto uma imagem de planetário. A ausência de eletricidade torna o céu uma tela intocada, apenas com ténues luzes de alguns hostels que têm energia de painéis solares. No centro, a iluminação vem das lanternas pessoais, fogueiras e de um método que admiravelmente não atrai mosquitos – um garrafão de água de 5 litros aberto no topo, preenchido com areia até metade, com uma vela lá dentro.
Já tínhamos visto imagens do mar com aquele plâncton que fica iluminado, mas nunca tínhamos imaginado que o mar se iluminasse também na rebentação. Imaginem (porque neste caso é impossível mostrar-vos imagens que o representem de forma fidedigna) um céu repleto de estrelas sobre um mar iluminado de cada vez que uma onda rebenta. O fenómeno assemelha-se a luzes de led, vão aparecendo linhas de luz verde na crista das ondas aquando da rebentação. Entrando na água, ela fica cheia de pontinhos brilhantes. É espetacular! Imaginem uma fonte cheia de moedas a refletir com o sol, mas no escuro. Quanto mais conhecemos o mundo mais percebemos que há coisas extraordinárias que ainda desconhecemos.
As pessoas têm um espírito, que em São Tomé chamam de “leve leve”, ou seja, viver a vida devagar sem stress. A expressão está a começar a ficar conhecida em Portugal graças às novas novelas e o mediatismo que os artistas trazem de lá.
Houve um assalto na nossa segunda noite. Aproveitando a saída dos proprietários, partiram uns vidros de duas casas junto ao hostel (mais afastadas do centro) e de uma delas levaram dinheiro. Disseram-nos que histórias deste género são raras e nunca levam mais nada porque a área é tão remota que seriam apanhados se levassem algo rastreável. Houve uns momentos de ansiedade, polícia a rondar, malta a avisar as pessoas na praia… E passou. Toda a gente esqueceu porque sabem que a próxima onda de assaltos será daqui a muito tempo. Quando fomos à pesca com o vizinho de uma das casas assaltadas, este já saiu de casa deixando a luz acesa, porta e janelas abertas, e telemóveis à vista na bancada.
Acompanhámos uma pescaria de peixe rei com rede, a dois, à noite, entre o Daniel do hostel e o vizinho, com algum auxílio precioso da Raquel. Meia hora de trabalho e um quilo de peixe. Contaram-nos que são utilizadas duas técnicas:
1. Encadeamento – ilumina-se o peixe que depois de devidamente baralhado se pesca à bacia;
2. Rede – a dois, leva-se uma rede comprida para a zona da rebentação, arrastando-a na direção do mar;
Pelos vistos é mais difícil amanhar o peixe que pescá-lo. Nenhum dos pescadores quis ficar com o peixe.
O uruguaio bebe o mate, e é algo que faz todo o dia e que leva para todo o lado. Uma infusão de ervas em água fervida que é bebida num copo de mate com uma bomba (género de palhinha de metal). Assistimos a hábitos de partilha que em Portugal estamos a perder por questões de higiene. Toda a gente bebe mate da mesma bomba, toda a gente partilha copos, tal como, dos que consomem, todos partilham o mesmo charro. Descontraidamente, sem pensar em doenças, em contaminação. Nós já estamos formatados, demasiado criados numa cultura de higiene e controlo de contaminação, para alinhar nestes hábitos de forma natural, sem pensar no “e se alguém aqui tem mononucleose?”
Ficámos com a ideia de que o turista de Cabo Polónio pode ser encaixado em três grandes estereótipos. Aqueles que têm ar de nunca terem conseguido esquecer os anos dos 60, e continuam a viver essa época, em casa deles, todos os dias. Os descontraídos da nossa geração, que preferem não ter grandes planos. E aqueles como nós, que vêm apreciar três ou quatro dias nesta vida, o máximo que aguentam.
O centro
É animado, com música ao vivo à noite em alguns hostels. O Daniel do nosso hostel diz que a animação só começa às 2 da manhã. Os sítios mais conhecidos são o El Club e o Portal.
Estávamos à espera de um ambiente menos comercial e mais porreiro. Imaginávamos noites mais animadas, com festas do estilo sunset, umas guitarradas ao jantar, e mais fogueiras junto aos hostels, num ambiente mais do género “senta-te aqui e junta-te a nós”, do que “vende-se cerveja gelada”. Idealizámos que seria mais como a festa dos santos populares em Portugal, em que quem chega dá o que tem, a cerveja por exemplo, e quem recebe dá as febras ou as sardinhas. Ou mesmo como uma festa de quintal em Angola. Sentimos que a prioridade ali é ganhar dinheiro. Esse espírito de troca já não existe, o que é estranho num povo que partilha uma bebida da mesma palhinha. Explicaram-nos mais tarde que o uruguaio que vive em Cabo Polónio é o que os de Punta del Este chamam de hippie rico – “hippie cheto” – financiado pelos pais.
Existe WiFi grátis junto à enfermaria e casas de banho públicas (20 pesos por utilização, limpas e com papel).
A ter em conta
Há muita oferta de restaurantes, algumas mercearias/minimercados e barracas de venda de roupa, bijuteria e artigos pintados à mão. O problema em cabo Polónio é quase não serem aceites cartões de crédito ou débito. Um problema que se torna grave para o turista por dois motivos:
1. Ter de levar mais dinheiro na mão (não existem ATMs)
2. Não receber os impostos de volta automaticamente em cada pagamento com cartão
Existe um hostel logo à entrada do cabo, dois restaurantes e lojas que aceitam cartão.
Como chegar:
Cabo Polónio tem a particularidade de proibir a entrada de viaturas pessoais na vila. Seja qual for o transporte escolhido (autocarro, carro alugado, etc.) vão ficar sempre na entrada do parque. O restante trajeto é feito com camiões 4×4 adaptados para passageiros. Há uns com mais lugares que outros e a malta acha sempre giro ir nos lugares dos cima. Nós como ainda temos muito que viajar preferimos correr menos riscos e ir em baixo. Ida e volta custa 218 pesos.
Onde dormir:
Hostel del Cabo, Hostel El Zorro, Hostel La Posada, Hotel La Perla (quartos privados com WC). O hotel é caro, mas quem quer ir para cabo Polónio sem perder o mundo deve ficar lá, com iluminação 24/24h, pequeno-almoço e WiFi. É o mais próximo do mar, na encosta do farol.
Onde comer:
O ideal é o hostel incluir pequeno-almoço e às restantes refeições cozinharem.
Refeições prontas de restaurante são brutalmente caras (esquecer pratos abaixo de 10€).
Saímos uma noite para beber um copo e lá acabámos por beber apenas uma limonada e um copo de vinho tinto porque o resto estava ao nível do preço de uma refeição.
Também jantámos fora uma vez e acabámos por pagar por dois bitoques com queijo e fiambre (chivitos) 26€ (gorjeta incluída, obrigatória). Apesar da carne ser boa, lamentamos dizer que não foram os melhores da nossa vida.
Arranjar produtos para cozinhar não é difícil, existindo um minimercado tipo mercearia antiga com bastantes coisas. O pão vem fresco todas as manhãs juntamente com alguma pastelaria. Os legumes e frutas também são bons.
Há sempre peixe ou marisco, como seria de esperar numa zona de pescadores, tanto no minimercado, como numa casa que diz “hay pescado”, junto ao minimercado.
O Veredicto
Quem quer conhecer Cabo Polónio tem sempre que ficar uma noite, para ver o céu noturno e o fenómeno do plâncton. Mas uma noite basta.
Há praias mais bonitas e aquilo que torna o cabo especial vê-se em pouco tempo.
Se adorarem e quiserem voltar mais vezes provavelmente fica mais barato alojarem-se numa praia ao lado e irem de manhã de autocarro com regresso à hora que vos apetecer. O cabo é extremamente caro, com os alojamentos em dormitório acima dos 20€, sem valerem esse preço. Preparem-se para sanitas ao balde e uma política rígida de utilização das tomadas de eletricidade.
Mas vale a pena? Pela natureza vale sempre. Em poucos sítios do mundo terão acesso a tanta coisa em estado puro. Os animais no seu ambiente natural, o céu sem a influência da luz da civilização, e um mar auto-iluminado. As pessoas num ritmo mais calmo, sem stress, talvez graças à marijuana informalmente permitida.
Não é qualquer pessoa que aguenta este ambiente durante muito tempo. Se quiserem conhecer Cabo Polónio conheçam os vossos limites e não estiquem a estadia mais do que consigam suportar. É suposto estarem em paz, e não a ressacar a falta da tecnologia.
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365 dias no mundo estiveram em Cabo Polonio em fevereiro de 2017
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3 Responses
Olá, adorei seu relato. Gostaria de saber qual mês do ano foi a sua visita.
Olá Mariana! Estivemos em Cabo Polónio durante o mês de fevereiro de 2017. Boas viagens!!
Olá! Tem alguma dica para fotografar esse mar com o céu à noite? Eu adorei