MELHOR VIAGEM DE AUTOCARRO NA ARGENTINA? #SóQueNÃO

O que acontece quando uma viagem com uma paisagem de sonho se transforma no nosso maior pesadelo?

A viagem para El Chaltén é uma viagem a não perder. Fosse o autocarro da qualidade que pagámos e seria a melhor viagem pela combinação com a paisagem.
Saímos de El Calafate para Bariloche às 18h e começou logo mal. Chegámos ao autocarro onde íamos viajar 14 horas e não existiam os nossos lugares. O último assento é o 42 e nós tínhamos os lugares 47 e 48. Portanto, autocarro mais pequeno e de inferior qualidade. Este bilhete custou 130€ por pessoa e afinal é um autocarro regular. É como comprarem um bilhete para o alfa e afinal vão no intercidades. Também se faz, mas custa pagar por um alfa, e mais ainda se afinal nos trocam o “comboio”. Queríamos reclamar, mas é a única companhia que faz o percurso.

Ao contrário da maior parte da paisagem da Patagónia, nesta não se vê apenas terreno árido, vêem-se montanhas e glaciares. Ao fim de três horas, ou seja, quase um quarto de viagem, chega-se a El Chaltén. E que vista! A montanha Fitz Roy sobrepõe-se a toda a paisagem e enche a janela do autocarro. A viagem que fizemos fez-nos passar lá já ao anoitecer, mas ainda conseguimos ver, após o pôr-do-sol, mas com alguma luz solar, a montanha a “romper” os céus (na Patagónia o anoitecer faz-se muito devagar, mesmo depois do pôr-do-sol ainda há alguma luz).

Decidimos não ir a El Chaltén, o que foi um erro, mas um erro calculado. Torres del Paine foi estafante e não nos apetecia voltar à montanha. Pensámos que era só mais uma montanha com trekkings intermináveis. Há tours de um dia a partir de El Calafate, mas também podem fazer por conta própria, com cada viagem de autocarro a demorar cerca de 3 horas. A tour de um dia não nos agradou, principalmente pelo fator orçamento, e sinceramente não sabíamos que o autocarro parava aqui. O que teríamos feito diferente? Teríamos ido no autocarro anterior para El Chaltén, aproveitando o dia na cidade, e às 21h seguíamos no “nosso” autocarro.

Bem, quando é que a viagem de autocarro se despenhou? À 1h da manhã atolámos. O percurso não é feito por mais nenhuma companhia de autocarros e nota-se que a Marga/Taqsa “manda nisto tudo” e escolhe até a estrada que utiliza. Mesmo que venda bilhetes para a famosa “ruta 40”, acabou por escolher outro percurso.

Estávamos a viajar em terra batida há pelo menos duas horas, notando-se bastante os solavancos e os deslizes laterais do autocarro, quando o desvio de um camião atolado na outra faixa fez com que o nosso autocarro também se atolasse. Disseram ao Tiago que acontece muito e que, apesar de não existir forma de comunicação, porque não levavam telefones de satélite e claro que não havia sinal de rede, nos viriam tirar dali quando se apercebessem que não chegámos ao destino seguinte, previsto para passado cerca de 1 hora. O Tiago perguntou porque fizemos este caminho quando existia uma estrada mais direta (a tal 40, com uma vista fantástica) e a resposta foi que a outra estaria pior. Para quem se queixa das estradas portuguesas, pensem em quantas estradas nacionais temos em terra batida e sem rede.

Às 8 da manhã devíamos chegar à cidade de Perito Moreno e às 10h tínhamos um outro autocarro para Bariloche, entretanto já passava das 9h e nada. Doze horas depois de termos ficado atolados, 1h da tarde, já estava toda a gente fora do autocarro, com lama pelos tornozelos, a apanhar paus e pedras para colocar junto dos pneus, para lhes dar uma superfície a que se conseguissem agarrar. A lama seca estava completamente colada, rija como uma argamassa, e o autocarro tinha-se enterrado até encostar o chassis.

Às 15h, 13 horas depois, lá saímos do nosso buraco, depois de termos parado todos os carros até encontrar um com telefone de satélite e ter chegado a ajuda no formato de um camião de carga e umas correntes.

Percebemos que a apatia inicial dos motoristas se explicava por receberem estas horas parados como extra, a valer a dobrar. Percebemos também que este tipo de profissão tem uma qualidade de vida desgraçada. Não têm as horas previstas na lei para descanso e isso reflete-se na forma como tratam os clientes. Nunca nos foi dada uma palavra sobre o que iriam fazer para resolver o problema.

Parámos numa cidade pequenina onde nos deram um hambúrguer e uma bebida como almoço e, quando chegámos a meio da viagem, percebemos que queriam seguir até Bariloche com os mesmos condutores. Foi a gota de água, nossa e de um grupo de israelitas. Exigimos a troca de motoristas e a limpeza do autocarro, cheio de lama, já sem água na casa de banho, e refeições para nós. Tivemos que ameaçar chamar a polícia para que fossemos ouvidos. Contrariados, fizeram o que pedimos, e trocaram um dos motoristas em Perito Moreno.

Seguimos mais sete horas de viagem até Esquel e a nossa segunda noite no mesmo autocarro. Em Esquel trocámos de autocarro e de companhia, algo que não estava previsto e não nos foi informado.

Se pensarmos bem, esta viagem serviu como um aviso. Quantas vezes arriscamos em viagens que não sabemos como são? Não fazíamos ideia de qual seria a estrada escolhida, não fazíamos ideia de que havia a possibilidade de a viagem ser cancelada se a estrada fosse declarada intransitável, e não sabíamos que a companhia não dá telefones de satélite aos motoristas, apesar de o dizer na carta de apresentação. É impossível não imaginar como seria feito o socorro se, em vez de termos ficado atolados, tivéssemos capotado ou saído da estrada. É impossível não perceber que iríamos ficar esquecidos até que alguém percebesse que o autocarro não tinha chegado à próxima paragem. Durante quase toda a viagem não tivemos rede. A Raquel tem a aplicação do registo de viajante para as comunidades portuguesas e é ótima. Permite até o envio de pedido de socorro, só é pena precisar de rede para isso.

É inexplicável num país como a Argentina ter um autocarro de 40 passageiros, circulando com mais de 30 estrangeiros e, durante 13 horas, estar em parte incerta, sem meios de pedido de auxílio. A embaixada portuguesa não se importou com isso, declarando que não faz parte das suas funções pedir satisfações a empresas de transportes e que não sabem como se faz a reclamação. Os israelitas, que reencontrámos em São Pedro do Atacama, contaram-nos que enviaram uma carta ao embaixador, eventualmente a resposta deste será diferente.

Para um outro artigo fica a conclusão desta novela, com a nossa reclamação assim que chegámos a Bariloche.

autocarro
autocarro
autocarro

Este artigo pode conter links afiliados

Partilhar:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Indice

Mais artigos

América do Sul

SOBREVIVER À ESTRADA DA MORTE (BOLÍVIA)

Não somos de nos colocar em riscos desnecessários, mas não tínhamos como não fazer downhill na estrada da morte em La Paz. Depois de escolher uma empresa que nos deu garantias de segurança lá fomos.

Ler Mais »