Há experiências na vida que só vamos ter uma vez, pela sua excentricidade, pelo preço, pela dificuldade de realização ou simplesmente porque a magia só fica se o fizermos uma única vez. É assim que surge o Presidencial na nossa vida. A Raquel tinha ido jantar com uma amiga ao 28A, um apartamento que servia refeições em casa. É no 28A que conhece o Gonçalo e a Íris, que estavam a organizar a primeira viagem do comboio presidencial na linha do Douro aberta a quem quisesse usufruir desta experiência. Quando estávamos em Angola cometemos alguns excessos, tivemos algumas experiências únicas que nos custaram mais do que hoje estaríamos dispostos a pagar. Viagens de fim de semana, jantaradas, prendas de anos, concertos, até a escolha da Lua de Mel são alguns dos exemplos. Numa altura em que tínhamos salários acima da média decidimos que valia a pena termos experiências que provavelmente não voltaríamos a ter capacidade para concretizar.
Quando entrei pela primeira vez no Comboio Presidencial, senti-me imediatamente transportado para a minha infância e para os filmes antigos, como o ’Assassinato no Expresso Oriente’ ou o ’O Trunfo é Perder’, com John Wayne. Acredito que este é um local fascinante para uma refeição gourmet, onde o charme do estilo clássico e a cozinha inovadora se encontram, proporcionando uma experiência verdadeiramente original.
Dieter Koschina
O que é The Presidential? Uma viagem única onde seria servido um almoço concebido pelo chef Dieter Koschina, do duas estrelas Michelin Vila Joya, em plena linha do Douro e com o comboio em andamento. Se ver a notícia na revista já nos tinha aguçado a curiosidade, ouvir o Gonçalo a explicar o conceito do Vila Joya no Douro convenceu a Raquel. A viagem aconteceu perto do aniversário do Tiago e num dia horrível para nós. Estávamos maldispostos e totalmente KOs. Tivemos muita vontade de desistir, mas custava-nos perder o dinheiro e a oportunidade.
O programa de viagem digna de presidente arrancou às 11h30, estendendo-se até às 18h30. Chegámos cedo a São Bento, e logo ali foi amor à primeira vista pelo comboio presidencial. Lindo, gracioso, quase imperial, e muito bem cuidado. As gravações nas carruagens azuis, o acolchoado, os detalhes interiores, sem dúvida este comboio é especial. Foi totalmente recuperado pelo Museu Nacional Ferroviário em 2010 e decorado aos anos 70, período final em que foi utilizado por chefes de estado, presidentes, reis e papas. Entrámos e ficámos numa cabine com mais um casal. Mais uma vez, tudo é fabuloso. Apesar de estarmos quase mortos, conseguimos perceber que era uma experiência imperdível.
A refeição é servida na carruagem restaurante, em mesas de 4, mas estamos sozinhos. É uma refeição composta por vários momentos e sabemos sempre o que estamos a comer. Os quatro pratos são apresentados com pormenor e um enólogo explica que vinho da Niepoort acompanha a refeição. A louça é Vista Alegre. Os chás são Camélia, um projeto de Nina Gruntkowski e Dirk Niepoort (Fornelo). A musica ambiente esteve a cargo da Casa da Música.
Aqui, mesmo com a indisposição, não abdicamos de nada. Somos de comer bem e não há dor de barriga que nos faça saltar estes pratos. No final, Koschina vem agradecer a presença. A paisagem é absurdamente bonita, mas isso já qualquer português deverá saber, o Douro é único e esta é das viagens de comboio mais interessantes do nosso país. Não queremos ter a presunção de dizer que é a melhor do mundo, mas quem sabe?
Chegámos à primeira paragem, o Pinhão, com uma passagem pelo The Vintage House Hotel, Douro, que permite beber um café ou um refresco e apanhar um pouco de sol.
Está quase na hora de ir à Quinta da Roêda, da Croft, também no Pinhão e a uma curta distância a pé, para a apresentação e prova de vinhos do Porto. Esta quinta é das mais conhecidas e muita gente aproveita a passagem para renovar a sua garrafeira. A renovada quinta é apelativa, o céu está azul, um lindo dia de abril. Provamos os vinhos do Porto, contemplamos a vista e tiramos umas fotografias.
Há medida que o dia vai avançando a nossa saúde vai melhorando e começamos a desfrutar do dia. Regressamos ao comboio presidencial para a sobremesa, cafés Delta e digestivos. Começa o regresso e concluímos que compensou não desistir e que levamos connosco uma experiência que jamais esqueceremos.
O comboio presidencial
Começou por ser um comboio real, para o rei D. Luis I e a sua corte. Transportou a rainha Isabel II e o Papa Paulo VI. Com a implantação da república passou a comboio presidencial e assim funcionou até 1970, altura em que saiu dos carris. Funcionava com cinco luxuosas carruagens, o salão do Chefe de Estado, o salão dos Ministros, o da Comitiva e Segurança, o salão Restaurante e a carruagem dos Jornalistas. Existiam depois mais algumas de apoio e um grande staff que permitiam o funcionamento.
As cabines são confortáveis, sóbrias e dão alguma privacidade com a sua porta. Podem descansar com o embalo do almoço e da carruagem, mas a vista é imperdível, portanto não fechem os olhos por muito tempo.
A decoração da casa de banho do comboio e os produtos, mais uma vez, cheiram a requinte, são Portus Cale, da Castelbel.
Toda a viagem foi muito bem organizada, sem nada a apontar. O staff foi muito cuidadoso, educado, diríamos até que demonstraram preocupação com o nosso estado e o facto de não estarmos a usufruir da experiência ao máximo. O Gonçalo e a Iris vão passando e conversando com cada “passageiro”, para receber o feedback. A viagem foi suave, o comboio é confortável, ao nível de um comboio que transportou chefes de estado e papas. Todos os prémios ganhos por esta iniciativa são, sem dúvida, merecidos.
A experiência termina com a oferta de um saco de amenities: um livrinho personalizado, um sabonete Portus Cale e uma garrafa de um Redoma Tinto da Niepoort.
The Presidential
O projeto sob comando do Gonçalo terminou em outubro de 2022 com uma viagem exclusiva. Nós pagámos bastante menos do que o preço dessa altura. Este foi incrementando com a procura, com o aperfeiçoamento do produto e com o reconhecimento internacional e prémios recebidos (Bea World Awards: 2017 GOLD WINNER e BEST PUBLIC EVENT IN THE WORLD 2017). Os chefs variaram nas várias edições, geralmente na primavera e na altura das vindimas. Tivemos nomes como Dieter Koschina, Esben Holmboe Bang, Pedro Lemos, João Rodrigues, Ljubomir Stanisic, Vitor Matos, Miguel Rocha Vieira, Vasco Coelho Santos, João Oliveira, Rui Paula, António Galapito, Bruno Caseiro, Henrique Sá Pessoa, Miguel Laffan, Vincent Farges, Ana Moura, Manuel Maldonado, Tiago Bonito, Rui Silvestre, Diogo Rocha, Óscar Geadas, Hugo Candeias, Pedro Pena Bastos, José Avillez, Vasco Coelho Santos, Marlene Vieira, Michele Marques, Alexandre Silva, João Rodrigues. Muitos premiados, inclusive com estrelas Michelin, alguns chegaram a repetir a vinda. A visita passou a ser feita à Quinta do Vesúvio.
O preço também se explica pelo custo logístico de pôr este comboio a circular, pela mudança da cozinha de um restaurante com estrela Michelin para um comboio, e com a própria refeição que é servida, acompanhada de vinhos de gama alta. Sabemos que a refeição não é toda confeccionada no comboio, na nossa viagem o processo acontecia no The Yeatman sendo finalizado na carruagem cozinha do comboio. Se pagaríamos os 750€ atuais? Provavelmente não. Se gostaríamos de repetir a experiência? Sem dúvida. Sabemos que houve vários repetentes ao longo dos anos.
O que fica das viagens não é apenas os países que pisámos e “riscámos” do nosso mapa, é principalmente as experiências que desfrutámos. Podem ir vendo as edições passadas na página thepresidentialtrain.
Ainda algo “amarelos”…
Atualmente
O comboio presidencial volta em 2024 aos carris, agora com a marca do Chef Chakall em parceria com a CP e museu ferroviário. Este regresso foi envolto em polémica com acusações de uso não autorizado de património intelectual, no entanto CP e Chakall recusam abandonar o projeto que se inicia em abril. Vimos na BTL o stand da CP com uma “réplica” da carruagem restaurante. Continuamos a considerar uma experiência a ter, embora tenhamos reservas quanto à relação qualidade-preço (750€), pagámos menos que isso em 2016 (total), com um menu de um Chef com duas Estrelas Michelin.
365 dias no mundo estiveram no Vila Joya Douro a 7 de abril de 2016
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