ENTREVISTA (CORREIO DE ALBERGARIA)

Em maio respondemos sobre o que é o 365 dias no mundo, como começou, como terminou e o que queremos fazer daqui para a frente. Leiam, pode ser que vos inspire a viajar mais.

Em maio surgiu a oportunidade de falarmos com o Correio de Albergaria, um jornal do concelho da Raquel, entretanto fechado. É sempre muito interessante sentirmos que há alguma curiosidade com aquilo que fazemos e com a forma como vivemos, apesar de neste momento estarmos com uma vida “normal”. O jornal fez-nos algumas perguntas a que respondemos da melhor forma que sabemos. Não estávamos à espera de ter duas páginas dedicadas a esta nossa paixão. Queremos agradecer ao jornal e publicamos aqui a entrevista para quem não viu o jornal.

O Correio de Albergaria é um quinzenário que nasceu em 2012, recuperando o nome dum jornal de 1846.

1 – Falem-nos um pouco sobre vocês, quem são, idades, profissões, de onde são, o que fazem, o que pretendem fazer, aquilo que quiserem revelar e que acharem relevante para a entrevista – será para depois usar como introdução à entrevista.

“Ela é técnica de radiologia, perfeccionista, exigente, ansiosa com o desconhecido e o futuro, desconfia de surpresas, gosta de ligar aos amigos e espera que eles também lhe liguem. Tem mais de 30 anos e deixou de fazer fretes, de fazer sala aos que são só conhecidos e de trabalhar por dinheiro, se não lhe trouxer prazer. (…)

Ele é engenheiro civil, perfeccionista, exigente, focado, aventureiro, mão de vaca, gosta dos amigos, mas não de lhes ligar. Agora já tem também mais de 30 e não se deixa levar pelos julgamentos e opiniões dos outros. Ele acha que não tem doenças, mas passa a vida a espirrar. A ideia e o orçamento da viagem são dele. (…) Raquel e Tiago”

Este é o texto com que nos apresentamos no blog e talvez seja dos melhores resumos para nos descrever, com uma pitada de humor, claro.

Raquel: Tenho 33 anos, nasci na clínica de São João de Loure. Gosto muito da minha freguesia, principalmente porque as pessoas se conhecem pelo nome. Sou técnica de radiologia, trabalho num hospital do SNS, mas já trabalhei em clínicas privadas e fiz algumas outras coisas, como vender equipamentos médicos e dar aulas em Angola. Gosto muito pouco de desporto e carregar a mochila na viagem foi um suplício. Gosto de museus e edifícios com história, gosto de saber o que se passou nesses locais.

Tiago: Tenho quase 31 anos (quando a entrevistar sair já terei), nasci em Guimarães, mas vivi sempre em Fafe até chegar à faculdade, altura em que fui para o Porto. Sou engenheiro civil, profissão que já exerci como projetista, diretor de obra, em Portugal e Angola, e agora como diretor de operações numa empresa de investimento e promoção imobiliária. Como hobbies, o principal é, claro, viajar, explorar o desconhecido e os meus limites. Gosto de desporto: o meu ginásio é jogar ténis, fui jogador de andebol e gosto de futebol, sendo um ávido praticante da vertente de sofá.

Fomos apresentados por amigos em comum em 2013, e nunca mais nos largámos, somos casados desde 2014, e essa é também uma bela história: resumindo, casámos pelo civil em Angola, num dia sem sistema informático, parte da cerimónia sem eletricidade, mas com três amigos como testemunhas. Levámos um sermão da notária por não termos alianças para trocar, que achou que estávamos a desvalorizar o casamento civil, que “é o que realmente interessa”. Tornámos a assinar os documentos formalmente duas semanas depois, já com outras testemunhas, para o casamento não ser anulado. Para os nossos amigos e família testemunharem, repetimos tudo em 2015 em Portugal. Pelo meio, transcrever o casamento no consulado português implicou muitas viagens de idas e vindas ao registo porque faltava sempre um documento.

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2 – O Tiago e a Raquel integram a página 365 dias no mundo. Como surgiu a página e com que intuito?

Ainda em Angola decidimos que queríamos sair de país e aproveitar a transição para viajar. Estávamos cansados de várias coisas: a crise que não passava e que prejudicava as transferências de dinheiro para Portugal, a pressão do trabalho, a distância da família, e começámos a ver o círculo de amigos a diminuir com muitos a regressarem. Sempre soubemos que antes de regressar à vida ativa queríamos fazer algo de diferente e que não é muito habitual em Portugal. Queríamos poupar o máximo possível para depois viajar sem data de regresso, até o dinheiro acabar. Mudámos o estilo de vida em Luanda, começámos a poupar mais e iniciámos o planeamento da viagem. Percebemos logo que não ia ser fácil manter o contacto simultâneo com todas as pessoas que iam querer saber como estávamos, no meio do rebuliço que é viajar de mochila às costas. Começou a fazer sentido ter uma página de Facebook, onde as pessoas vissem pequenos textos sobre o que se passava, e um blog onde a descrição fosse maior, mais detalhada. Precisávamos de um nome e pensámos que 365 dias fazia sentido, a viagem seria de um ano no mundo, mas mesmo que a viagem fosse encurtada (o que veio a acontecer) o nome continuaria a fazer sentido porque passamos literalmente 365 dias no mundo, podendo manter o blog mesmo depois de terminada a viagem, o que temos tentado fazer, conciliando a vida de trabalho com várias escapadelas.

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3 – De que forma descobriram esta paixão por descobrir o mundo? E de que forma este “estilo” de vida vos preenche?

Raquel: eu não me conheço noutra realidade, com duas semanas de vida os meus pais levaram-me para a Suíça, onde viviam. Desde essa altura as viagens pela Europa foram uma constante. Os meus pais sempre me incentivaram a viajar e viajei algumas vezes sozinha sempre para ir ter com amigos ou família. Para mim é um bocadinho como o Variações, depois de 3 meses em viagem já me falta a rotina, sinto-me super cansada de fazer e desfazer a mala, de não ter pouso. Muitos viajantes resolvem este sentimento ficando temporadas mais longas num só local. Num trabalho mais rotineiro também cedo me farto e começo a sonhar com viagens. Para mim há que encontrar um meio termo, nós já percebemos que precisamos de algum conforto em viagem. Para nós resulta o poupar para depois viajar e depois voltar para recomeçar a poupar, mas não é uma fórmula mágica, é a que neste momento usamos.

Tiago: a ideia de uma grande viagem foi-se desenhando em Angola, ainda antes de ter conhecido a Raquel, e provavelmente foi das primeiras coisas que lhe disse quando a conheci, que “queria largar tudo e dar a volta ao mundo”. Felizmente, alinhou comigo. Hoje sentimos que esta forma de viver a vida é muito daquilo que somos e do que temos para oferecer, tanto entre amigos como profissionalmente. As coisas já se começam a alterar, mas tipicamente os portugueses não incentivam e não procuram este tipo de viagens, há muitos entraves profissionais. O empregador, até mesmo o estado, não compreende que ganha mais em deixar as pessoas sair durante uns tempos numa licença prolongada para viajar, ao invés de manter um funcionário frustrado, agarrado àquilo que poderia ser, mas não tem coragem (e estofo financeiro) para assumir. Uma das maiores vitórias da viagem foi essa, saber que essa liberdade está ao nosso alcance. Hoje sabemos que podemos escolher onde queremos estar e como queremos estar.

4 – Que locais já conheceram?

Juntos, conhecemos 28 países, uns melhor que outros. Da américa do sul, apenas não conhecemos Venezuela, Paraguai, Guianas e Suriname. Na américa central conhecemos Panamá, Costa Rica e Nicarágua, na américa do norte conhecemos apenas um pouco dos Estados Unidos. Da Ásia, só as Maldivas, no Médio Oriente os Emirados Árabes Unidos. Na Europa conhecemos bastante, mas não tem sido de todo uma prioridade. Em África conhecemos Angola, África do Sul e São Tomé e Príncipe. Isto juntos, individualmente cada um de nós conhece mais de 30 países. Apesar de contarmos países, não vemos isto como um concurso de quem foi a mais. Vamos muito a locais que tenham história, que sejam reconhecidos pela UNESCO, ou a maravilhas do mundo, como Machu Picchu, as Galápagos, ou o salar de Uyuni.

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5 – Onde querem ainda ir?

Ui, a todos os locais que ainda nos faltam. E queremos repetir países porque há sítios que nos escaparam. Principalmente queremos ter experiências que ainda não tivemos, mesmo em Portugal, como atravessar a estrada nacional nº2 de norte a sul. A prioridade agora é a Ásia. Conhecemos muito pouco e sabemos que é maravilhosa. Gostávamos muito de ir à Austrália e Nova Zelândia.

6 – Qual o sítio que mais gostaram de visitar? E qual menos gostaram?

O que mais gostámos foi sem dúvida as ilhas Galápagos, apesar de ter sido também um dos sítios que nos ficou mais caro. A vida animal é tão evidente: leões marinhos e iguanas mostram-nos que as ilhas são deles e não nossas. Os leões por todo o lado, junto ao mercado do peixe a aproveitar as peles e sobras do arranjo do peixe, nos bancos do porto, deitados no areal das praias. As iguanas, preguiçosas, nós é que temos de nos desviar para passar. Isto em terra, mas dentro de água é ainda mais maravilhoso, a diversidade de animais que habitam este arquipélago é inacreditável. Tem os seus defeitos, mas é um exemplo de preservação que deveria ser seguido em todo o mundo.

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Escolher o sítio de que gostámos menos é doloroso e até injusto para o local, porque aquilo que às vezes nos faz desgostar foi até uma má escolha nossa, mas podemos dizer duas cidades que por acaso até são duas capitais. Montevideu, capital do Uruguai, pareceu-nos mais parada do que estávamos à espera, principalmente porque visitámos na semana do carnaval, quando todos os guias diziam que era uma cidade com um carnaval gigante, de 30 dias. Percebemos depois em conversas com outras pessoas que adoraram a cidade que nós ficámos alojados na zona velha. Esta zona é mais feia e escura de noite e a animação está noutro bairro. Em Manágua, capital da Nicarágua, estávamos muito cansados, já era o penúltimo destino, a entrada na Nicarágua foi “estranha”, com uma fronteira algo perigosa, o que talvez nos tenha condicionado daí para a frente. Choveu muito, a cidade ainda tem muita coisa destruída pelos terramotos e não nos fascinou. Sabemos que o país é espetacular, mas não Manágua.

7 – Colaboram com a Momondo…como surgiu esta parceria? 

A Momondo tem vários programas para cativar blogs a trabalhar com eles. Nós entrámos no programa do Open World Travelers que acabou em março. Consistia em escrever artigos com temas pedidos pela Momondo e partilhá-los nas nossas redes sociais. Depois podíamos ser escolhidos, ou não, para a Momondo partilhar na sua página, o que aconteceu com um dos artigos.

É importante dizer que pertencemos à recém-criada Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, um projecto criado para apoiar este mercado novo dos blogs de viagem que tem vindo a crescer. Fazem parte bloggers que admiramos e cujos blogs são lidos assiduamente por nós, por isso temos grandes expectativas com o que aí vem nesta área.

8 – Experiências caricatas?

Temos muitas, aliás, viajamos também para viver coisas novas que depois se tornam em histórias maravilhosas (ou apenas hilariantes). A forma como pesquisámos os locais para onde ir foi principalmente pelo que queríamos mesmo conhecer, e depois descobrimos coisas que não fazíamos a mínima ideia que existiam, mas que outros blogs descreviam. Numa dessas pesquisas encontrámos Cabo Polónio, uma praia no interior de uma reserva natural no Uruguai. Os brasileiros descrevem a comunidade como “roots”, o que quer dizer uma espécie de cena hippie. Nós, inocentes e cheios de curiosidade, lá decidimos ir a Cabo Polónio. O local tem muito pouco de hippie, mas muito de caro. A graça está lá: o enquadramento é fabuloso, não há luz elétrica, por isso o céu noturno é maravilhoso, até o mar brilha com plâncton fotoluminescente. Há leões marinhos, passam golfinhos, tem um farol, mas… A procura tornou Cabo Polónio demasiado caro para o que oferece. Reservámos um quarto privado por 50€/noite que não era um quarto. Era um sótão amplo cheio de colchões, dividido ao fundo com uma placa de madeira e com uma cortina a fazer de porta, repleto de mosquitos. A loiça estava sempre suja, incluía supostamente pequeno-almoço, mas na verdade era cada um por si, a sanita esteve entupida a maior parte do tempo, portanto era preciso caminhar 50 metros até um barraco, de lanterna na mão, para o que fosse preciso. O dono da casa era um professor que vivia em Montevideu e metade do ano mudava-se para a casa de praia onde fazia um bom pé de meia com os seus quartos “privados”. Mas ficam as coisas boas, esse professor levou-nos a pescar com rede à noite, experimentámos o mate, ou chimarrão, e fica a história “caricata”.

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 9 – Principais dificuldades?

Tomar decisões, ou seja, de cada vez que decidimos por um local e não outro sabemos que estamos a decidir não ir a uma cidade que pode ser espetacular. Tudo pesa numa viagem longa, ir àquele museu ou jantar num restaurante, sair à noite e beber uns copos com pessoal do hostel ou ir de manhã visitar aquela praia. Todas as opções têm de ser ponderadas face ao preço, principalmente no nosso modelo de viagem, em que não queríamos parar uns tempos e trabalhar para angariar mais dinheiro para continuar. Portanto, cada decisão, desde o simples pequeno-almoço fora, comprar uma garrafa de vinho para acompanhar o jantar, fazer o percurso da paragem de autocarro até ao hostel de táxi, tudo implica mais gastos, o que se traduz em menos uma cidade, menos uma paragem, menos dias a viajar.

Os destinos menos conhecidos também trazem algumas dificuldades, porque não há ninguém a dizer como se vai para lá, onde se deve ficar, onde se come bom e barato, temos de descobrir sozinhos, às vezes cometendo erros.

10 – O que planeiam para o futuro?

Viajar mais. Queremos continuar a manter o blog em dia. É difícil, porque temos atividades profissionais, mas, por outro lado, isso torna-nos isentos. Escrevemos sobre sítios por onde passámos, o que fizemos, dicas reais, histórias que nos aconteceram. Gostávamos de organizar todo o material que ainda temos por editar, preparar uns vídeos. Sabemos que as filmagens das Galápagos vão dar um vídeo brutal, mas continua por editar.

Gostávamos de acrescentar mais algum impacto na sociedade. Vimos a história de um jornalista, o Eric Frattini, e percebemos que todos podemos fazer alguma coisa para melhorar o mundo que nos rodeia, nem que seja a uma pessoa de cada vez. Ainda estamos a pensar como o podemos fazer, mas gostávamos de acrescentar uma causa ao blog. Essa causa não tem que ser nada grandioso, mas pode começar por ser, por exemplo, sensibilizar para a exploração animal. A quantidade de pessoas que acha normal tirar estrelas do mar para as fotografar, sem saber que não o devem fazer. Ou as coisas pequenas que todos podemos adotar e que não nos vão afetar, como recusar as palhinhas de plástico das bebidas.

11 – Conselhos para quem quer fazer uma viagem longa e não tem coragem?

Primeiro e mais importante conselho: IR.

Depois resolvem-se os problemas e as perguntas. Não ter dinheiro não é desculpa, cruzámo-nos com dezenas de pessoas que foram quase sem dinheiro, mas que com voluntariado, trabalho em troca de estadia, conseguiram viajar durante meses. Não ter companhia também não é desculpa, a maioria das pessoas com quem nos cruzámos viaja sozinha. Ser mulher e viajar sozinha também não é questão, mais uma vez, a maioria dos viajantes a solo são mulheres. O problema é adiar a partida, o tempo passa e encontramos novas desculpas para ficar. Nunca voltamos iguais, cada destino mexe connosco. Conhecemos pessoas novas, de outros países, praticamos outras línguas, aprendemos a desconfiar e a confiar. Negociamos descontos como ninguém porque precisamos que o dinheiro estique. Voltamos com talentos que desconhecíamos e mais ricos para o mercado de trabalho. Conhecemos pessoas que não voltaram, perceberam que era essa a vida que queriam.

12- Onde podem ler as nossas histórias?

No blog www.365diasnomundo.com e instagram e Facebook 365diasnomundo

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3 respostas

    1. Olá Oscar, recebemos essa informação duma ex-funcionária, e reparámos no mesmo, que a página da rede social não era actualizada há alguns meses.

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