O primeiro tour que marcámos na Islândia foi o Into The Glacier. É organizado por uma empresa privada que detém um túnel no interior do glaciar Langjokull, “o glaciar longo”, traduzindo à letra, e o segundo maior da Islândia, com 195km², aproximadamente a área do concelho de Lisboa, para terem uma referência.
O túnel fica nas chamadas “terras altas”, a zona da Islândia onde ninguém quer morar, outrora o desterro dos homens a castigar. O seu castigo de 8 anos nas “highlands” pretendia ser um bilhete sem regresso, mas alguns descobriram zonas onde o chão era aquecido pela lava, alimentavam-se de ovelhas que roubavam, e sobreviveram às suas penas. A martelada retratada no novo filme da Marvel aconteceu na floresta de Thor (Þórsmörk), ou seja, nesta região. É também este glaciar que fornece água para a famosa região do golden circle, o círculo dourado.
O túnel demorou quatro anos a planear. Uma equipa multidisciplinar composta por designers, engenheiros, técnicos de iluminação, especialistas em glaciares, geógrafos, arquitetos e artistas, planeou o projecto para ser executado por agricultores islandeses. Estes homens escavaram o túnel em catorze meses, de março de 2014 a maio de 2015. A equipa tinha entre 4 a 8 homens e trabalhava todos os dias, com o plano de formar um percurso com o formato de um círculo perfeito, mas que acabou com a forma de coração. “Os agricultores islandeses são fortes, mas de coração mole e cheios de romantismo”, diz-nos a guia, depois de explicar que o clima é tão ríspido que a neve tem de ser diariamente retirada da entrada. O vento teima em fazer desaparecer aquilo que o homem construiu.
Nesta secção do glaciar o gelo tem entre 30 e 35 anos de idade. São 500 metros de extensão de túnel e é algo, para já, único no mundo, possibilitando a experiência de ficar entalado entre uma camada de 25 metros de gelo acima das nossas cabeças e uma de 200 metros por baixo dos nossos pés. A maior vantagem deste túnel feito pelo homem é que fica fora dos extremos do glaciar, onde o gelo é mais instável.
Tirando partido das zonas com boa acústica, tem capelas e salas para eventos. Oferece também uma sala que pode servir de bar. Não sabemos o preço para eventos, mas inclui o guia durante 60 minutos e o transporte até ao glaciar, claro está, porque não se consegue chegar lá autonomamente.
A nossa experiência:
Chegámos cedo ao ponto de encontro em Húsafell e aproveitámos para vaguear pelas redondezas. Encontrámos um cão que caminhava pelo meio da neve, vimos os lagos gelados e ainda ponderámos voar o drone, mas acabámos por achar demasiado ventoso. O local fica numa instância turística onde se encontra o Hótel Húsafell, que nos pareceu bastante simpático.
Ficámos a fazer fila para entrar no camião em primeiro lugar para conseguir os lugares da frente, o que se revelou uma boa aposta (melhor vista e maior contacto com o guia). O transporte é um veículo militar alemão adaptado, uma espécie de trator com uma caixa atrás para os passageiros. É aquecido e consegue avançar na neve graças ao seu sistema de ajuste da pressão dos pneus.
Um dos guias entra connosco e vai contando curiosidades sobre o seu país e a região. Conta-nos que têm 13 personagens de natal, todos maléficos, nada de Pai Natal bonzinho que dá prendas. Percebemos aqui que os islandeses têm um sentido de humor peculiar, meio para o cáustico. Vamos-nos aproximando do glaciar e começa o nevão. O camião avança, sentimos que está a alterar a pressão dos pneus para conseguir ter aderência na neve. Paramos para idas ao WC na base, que nesta época do ano está cheia de neve. Vemos mais um edifício e a partir daí… nada, branco. Diz-nos o guia que quando o céu está limpo a visibilidade é boa e conseguimos ver a imensidão que o glaciar é.
Chegamos ao local e é preciso retirar a neve que obstruiu a entrada. É normal não se ver a entrada. A equipa sabe o caminho para lá chegar por GPS, porque pode ser perigoso vaguear sem destino no gelo. Contam-nos que no verão é comum ver turistas a avançar pelo glaciar, o que não se deve fazer, porque o glaciar tem fendas. Com sentido de humor diz-nos que se caírem aparecem após umas centenas de anos na base do glaciar. O motorista vai cavando e nós esperamos no veículo. O primeiro grupo entra e somos avisados que a neve escorrega, que temos de entrar devagar e pisar os tapetes, onde é menos escorregadio. Sempre que a guia sai e regressa vem coberta de neve.
Entramos e a próxima etapa é a colocação dos crampons de trail. São umas capas de metal para as botas que evitam que escorreguemos na neve. Não têm posição especial, mas existe o pé direito e esquerdo. Parece uma tarefa simples, mas muita gente não entende como se encaixam. Mais tarde vemos à venda e este modelo custa perto de 40€, mas há mais baratos.
Vamos avançando pelo túnel, recebendo explicações, parando para fotografias e lendo os cartazes que estão expostos. Os agasalhos estão a dar muito jeito, mas é fácil perceber que há gente no grupo que não percebeu que uma gruta no meio do gelo é fria.
Seguimos em grupo, não muito depressa. Passamos pelas capelas onde já se fizeram casamentos (a nova e a antiga). Vemos as marcas no gelo de cinzas das erupções e entre gelo de diferentes idades. Há fendas naturais que se tornam perigosas e onde a água acumula. O túnel precisa de manutenção regular porque a pressão das camadas superiores leva a que naturalmente haja tendência para o túnel se fechar.
O tour acaba e entramos no camião, mas este não arranca. O motorista diz-nos que na tentativa de nos manter quentes enquanto escavava a entrada manteve o camião ligado demasiado tempo com o aquecimento e, enquanto estivemos dentro do glaciar, o óleo congelou, e agora não “pega”. É preciso enviar outra viatura para nos ajudar. A guia ensina-nos islandês e dá dicas para nos entreter e evitar que a malta se agite. Foi neste tempo que recebemos dicas preciosas que vamos seguir no resto da viagem. O nevão é tão forte que o camião chega, estaciona à nossa frente, e é “invisível”. A expressão “não ver um palmo à frente dos olhos” nunca fez tanto sentido.
Acabámos por ser “socorridos” e regressámos sãos e salvos a tempo de comer um biscoito e beber um café quente. E porque a vida é curiosa, conhecemos um norte-americano que falava português. Está a aprender no seu país, com professoras brasileiras, porque acha que é mais fácil aprender bem português, e só depois espanhol, do que o contrário. Também encontramos dois portugueses. O tour todo tem entre 3 e 4 horas, varia conforme as condições climatéricas.
Ponto de encontro:
Pode ser no centro de Húsafell (no inverno parte sempre daqui) ou na Base do Campo Klaki. Em Húsafell encontram o escritório.
Preço:
Marcámos pela artic adventure que nos deu 10% de desconto. O preço normal é de 19.500 ISK. O bilhete dá desconto de 10% na entrada no Perlan em Reykjavik.
Há outros tours, como:
- túnel + snowmobile – 29.900 ISK
- túnel + snowmobile + Hraunfossar, partida de Reykjavik – 39.900 ISK
365 dias no mundo estiveram na Islândia de 23 de outubro a 7 de novembro de 2019
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2 Responses
Fiz isto há cerca de cinco anos e é até hoje uma das melhores sensações de viagem que recordo! Brutal! 🙂
É dinheiro bem gasto e uma experiência única. Aquelas experiências que só se têm uma vez. Obrigada pelo comentário