(versão atualizada a 21 de maio de 2020)
J. K. Rowling, uma jovem de 25 anos, concorre a uma vaga de professora de inglês numa cidade desconhecida e num país com uma língua em que não sabe sequer pronunciar um olá. Uma aventura que permitiu criar uma saga de livros que adolescentes e adultos devoraram e, ainda hoje, rende milhões em merchandising.
Estamos a falar do jovem Harry Potter, da sua escola de feiticeiros, e da vida de Joanne Kathleen Rowling na cidade do Porto. Se querem conhecer a cidade à luz da inspiração que esta deu a Joanne, têm de passar em alguns sítios. À primeira vista podem não apanhar a ligação, mas ela existe.
É fácil perceber que o Porto, uma das cidades e regiões mais importantes de Portugal e a segunda mais populosa, tem algumas diferenças em relação a Lisboa. Basta circular pelas suas ruas, património da UNESCO, para perceber que aqui reina uma paisagem mais cinzenta, seja motivada pela pedra que reveste as fachadas dos edifícios emblemáticos, ou do próprio céu, mais fechado. Chove mais que na capital, o que lhe dá um certo ar melancólico e místico. Até a comida aqui parece mais pesada, mas igualmente saborosa. As pessoas são mais afáveis, mas também deixam claro se vocês os chatearem.
JK Rowling
É preciso contextualizar a vida da autora. A mãe morreu em 1991, após uma longa luta contra a esclerose múltipla, e esta tristeza fez com que Rowling imaginasse a personagem de Harry, um órfão. A ideia da história teve origem no Reino Unido, num comboio atrasado de Manchester para Londres, mas parte da escrita (os três primeiros capítulos do livro, inclusive o seu preferido) desenvolve-se no nosso país, em pedaços de papel manuscritos.
“Fiquei encantada com o fado, a música tradicional melancólica que reflete os próprios portugueses que, de acordo com a minha experiência, têm uma calma e uma gentileza únicas entre os povos latinos que encontrei até agora. As espetaculares pontes da cidade, as suas vertiginosas margens do rio, os íngremes edifícios antigos, as tradicionais casas do vinho do Porto, as largas praças: fiquei extasiada com tudo isto”,
JK decide mudar de vida e escolhe o Porto. São 18 meses a viver na cidade, e apesar de ter tido uma filha no nosso país, chama a essa época o “período negro” da sua vida. Conheceu o seu ex-marido na Ribeira, no Meia Cave, e desse amor à primeira vista nasce Jessica. Quando o seu casamento termina, Joanne pega na filha e mudam-se para Edimburgo, na Escócia, onde também se encontra uma forte relação entre os livros e a cidade. Diz a autora que o fracasso do seu casamento a deixou com a missão de terminar as aventuras do jovem feiticeiro. Dedicou-se só ao que lhe interessava e a coleção de livros foi um sucesso.
Nem tudo tem uma relação directa, alguns locais são só sítios por onde passou, mas há vários pontos no Porto que fazem parte de JK Rowling ou de Harry Potter. Há muito do Porto dentre de Harry Potter.
Há quem diga que, até o título do primeiro livro, A Pedra Filosofal, tem origem no poema homónimo de António Gedeão, com a célebre frase “Eles não sabem que o sonho“, um poema-símbolo português.
“Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.”
Pontos de interesse
Traje da Universidade do Porto: O traje dos estudantes da Universidade do Porto serviu de inspiração às fardas escolares dos jovens bruxos. O traje é composto por umas calças ou saia, camisa branca, colete, gravata, casaco e uma capa. Para os verem só precisam de circular pela cidade ou pelos campus, principalmente nos período de praxes (setembro) ou das festas académicas (maio). Depois de irmos a Oxford temos algumas dúvidas nesta inspiração. Diríamos que são os trajes académicos da Universidade de Oxford que inspiraram as roupas dos jovens feiticeiros.
Café Majestic: sentem-se numa mesa a beber café e imaginem a jovem professora de inglês a escrever em guardanapos as aventuras do adolescente e dos seus amigos. Frequentava o café com o seu marido da época, jornalista. O café foi criado pelo arquitecto João Queiroz e abriu em 1921 como Elite Café. O nome não caiu bem e mudou para Majestic. Fechou para renovações de 92 a 94. É dos cafés mais bonitos do mundo e um dos melhores exemplos de Art Nouveau na cidade. O Ucityguides nomeou-o como o sexto café mais bonito do mundo, num TOP10 em que conhecemos três. Sentem-se e peçam um cimbalino, excepto ao domingo (fecha). O café fica em plena Rua de Santa Catarina, a principal rua pedonal do Porto, onde estão a maioria das lojas de roupa internacionais.
Estrela d’Ouro: Frequentava também um restaurante na Rua da Fábrica, que entretanto fechou. Existia desde 1955 e era um clássico da cidade, não muito caro, onde se podia jantar e ficar a beber uns copos.
Livraria Lello: junto à torre dos Clérigos encontra-se a livraria mais famosa do país. A livraria abriu em 1906, após os irmãos Lello comprarem um espaço já existente e modificaram-no para se adequar ao que queriam. A fachada neogótica, com umas figuras que representam a arte e a ciência, resulta de uma intervenção de renovação que a devolveu ao seu aspecto original, projetado pelo Eng.º Xavier Esteves, em 1904.
A escadaria redonda em betão armado, com uma “entrada” no piso inferior e duas “saídas” no piso superior, dá-lhe grande parte da fama. Em entrevista à TSF, José Manuel Lello, bisneto do fundador, descreve-a da seguinte forma: “Tivemos a sorte de Xavier Esteves ser uma das primeiras pessoas a trabalhar em ferro e em betão armado, o que permitiu que esta escadaria tenha só três pontos de apoio (um em baixo e um de cada lado em cima), o que permite que ela tenha este aspeto etéreo”, parecendo que está “a voar”.
Dizem que a escadaria é a fonte de inspiração para a escadaria da escola Hogwarts, apesar de ser fácil perceber as diferenças. Em Harry Potter, Rowling criou a livraria Flourish and Blotts, em Diagon Alley. Esta fica na Rua das Carmelitas e a entrada é paga, mas revertível em saldo na compra dum livro. Custa 5€ (mais 0,5€ se comprarem online). Por ser um dos locais mais concorridos da cidade, tirar uma fotografia na escadaria sozinho é uma missão quase impossível, mas com paciência acabam por conseguir.
J.K. Rowling dissipou todas as dúvidas agora em maio, a Livraria Lello não foi uma inspiração, nem sequer a conhece.
Escovaria Belomonte: a escovaria de Diagon Alley pode ter sido inspirada nesta loja real da Rua de Belomonte. É um negócio familiar que se mantém desde 1927 na mesma família e a funcionar manualmente. Tivemos o azar de a encontrar fechada.
Fonte dos Leões: deu origem ao símbolo da Casa Gryffindor. Fica na Praça de Gomes Teixeira, 10. Nesta zona encontram-se alguns dos edifícios mais característicos da cidade, como a Igreja do Carmo.
Torre dos Clérigos: o mito urbano diz-nos que esta torre foi a inspiração para a Torre de Astronomia de Hogwarts, onde (SPOILER ALERT) Severus Snape matou o Professor Dumbledore. Mesmo que seja só um mito, a torre merece a visita pela bela vista panorâmica sobre a cidade. A entrada custa 5€. Fica muito perto da Livraria Lello. Há alturas em que tem concertos de órgãos ou abre à noite para visitas. Não percam.
Jardins do Palácio de Cristal: ficam na Rua D. Manuel II e poderão estar representados no livro pela Floresta Proibida. Sabe-se que JK frequentava os jardins, o resto pode ser mais um boato. O palácio foi renovado recentemente e os jardins são muito bonitos. Visitámos em dezembro e ficámos a apreciar o ritual de exibicionismo dos pavões. Vale a pena passear pelo jardim e apreciar a fantástica vista para o rio. As letras do Porto agora estão aqui.
Discoteca Swing: estranho não é? Um conto de adolescentes inspirado também num clube noturno. Não é bem isso. É uma discoteca que JK frequentava com as amigas, Jill e Aine, a quem dedicou um dos livros, “as avós do swing”.
Até Salazar entrou nesta inspiração, já que dá o nome ao vilão Salazar Slytherin. António de Oliveira Salazar foi ministro das finanças e, mais tarde, presidente do país durante o Estado Novo, o período de ditadura que durou em Portugal de 1932 a 1968. O vilão dos livros queria banir bruxas e feiticeiros de Hogwarts que fossem oriundos de pais “normais”.
Há tours organizados que podem ser reservados aqui ou aqui (se quiserem entrar na Livraria Lello evitando a fila) e custam 43 ou 46€. Pode ser uma forma de conhecerem mais sobre a influência do Porto em Harry Potter.
Curiosidades
As aventuras de Harry Potter deram origem a sete livros e oito filmes (o último livro foi dividido em dois filmes), onde se conta a história do jovem feiticeiro e dos seus companheiros, Hermione e Ron, durante 7 anos de escola em Hogwarts. Os actores que interpretaram Hermione, Ron e Harry, tornaram-se super estrelas, e ainda hoje há fãs por todo o mundo.
Em 2016, na noite que antecedeu o aniversário de JK Rowling e de Harry Potter, a Livraria Lello foi palco do lançamento mundial do oitavo livro, que se desenrola 19 anos depois do último (Talimãs da Morte – 2). Nesse dia, os fãs tiveram o direito de entrar na livraria de forma gratuita para comprar Harry Potter and the Cursed Child — Parts I & II. O livro foi recebido com grande emoção. Afinal, os sete primeiros livros começaram a ser editados em 1997, e a saga apenas terminou em 2007. Harry, neste livro, está mais crescido, tal como os seus leitores iniciais, e tem um filho, Albus. A Livraria Lello, outrora bonita, mas pouco valorizada, soube aproveitar muito bem o fenómeno Harry Potter. Vendem aqui todos os livros da coleção, em várias línguas, e tem uma sala dedicada exclusivamente ao jovem feiticeiro. A coleção está traduzida em mais de 60 línguas e a livraria possui a primeira edição original de cada um dos livros.
A exposição que anda por todo o mundo desde 2009 (Harry Potter the exibition), neste momento está em Lisboa. Foi aberta com dois atores do elenco e possui adereços e recriações dos cenários dos filmes, como o dormitório e floresta proibida. Podem comprar os bilhetes no site, e custam 16,9€ (adulto). Acaba a 8 de abril.
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2 respostas
O pouco que vi de suas aventuras e histórias, me deixou fascinado! Gostamos muito de viajar, e sei que minha mulher ficará deslumbrada, também!
Obrigada Caetano. Continuem a ler.