PASSEIO DE BARCO NA RIA DE AVEIRO (PORTUGAL)

A ria de Aveiro é uma imensa laguna com 11 mil hectares. Ali encontramos inúmeros canais, uma fauna e flora peculiar e um sossego e silêncio só possível ao navegar no Gaivinha, um barco ecológico.

Como já devem saber, Aveiro tem um especial sabor para nós. Não só a cidade como todo o distrito. Gostamos das praias de Ílhavo, da fábrica da Vista Alegre, da região de Águeda e dos seus guarda-sois, das cavacas que chovem em janeiro, e faltava-nos falar da ria. Não apenas falar da ria, mas também contar-vos a nossa experiência de andar de barco na ria de Aveiro.

A ria de Aveiro é a foz do rio Vouga ramificada em inúmeros canais. Existe desde o séc. XVI devido ao recuo do mar e da formação de uma laguna. São 11 mil hectares, 6 mil inundados, 45km de extensão e 11km de largura. Abre-se ao mar na Barra de São Jacinto, que deixa entrar as embarcações e dá-nos o sal. Sabemos que o seu aspecto atual é diferente do inicial e que, até à construção da barra artificial, teve nas mãos os destinos das gentes da região. Em 1802, D. João VI mandou construir a barra, uma obra de Oudinot e Luis Carvalho e bastante difícil, mas, quando foi concluída, deu estabilidade e devolveu prosperidade à região.

A ria tem muita importância para a cidade e séculos de história. À sua volta encontram-se terras de pescadores, homens que arrastavam as redes com a força de braços ou com o auxílio de bois e, mais tarde, tratores. Os seus estaleiros construíam embarcações necessárias num período de expansão marítima. Sabe-se que partiram da cidade diversas naus, caravelas e galeões, alguns para a pesca do bacalhau nas Terras Novas, daí a ligação da região à salga do bacalhau. O sal das salinas serviu o mercado interno, mas também Espanha, França, Inglaterra e Flandres. A importância do sal vem da conservação do peixe e carne numa época em que não existiam frigoríficos. Já se provou que a existência das salinas é, até, anterior à formação do reino. Outro produto da ria é o moliço, retirado pelos moliceiros e utilizado como fertilizante.

Hoje, poucas embarcações saem dos estaleiros de Aveiro. O sal também é pouco e, até no bacalhau, sofremos um grande revés. Resta-nos a ria enquanto experiência náutica e turística. E as gentes da terra continuam a sair nos seus barcos para desbravarem a ria de Aveiro e os seus canais, tanto como atividade lúdica como para pescar.

Já sabíamos há algum tempo que era possível navegar na ria. Não falamos do pequeno passeio que nos oferecem os moliceiros (que também já fizemos). Falamos de passeios mais longos, que nos levam pelos canais da ria fora da cidade. Conhecíamos a empresa Sterna pelo Facebook, já os tínhamos contactado, mas ainda não se tinha proporcionado a visita. O Gaivinha, da Sandra e do Estevão, é um barco ecológico movido a energia fotovoltaica produzida por seis painéis solares que está armazenada em baterias distribuídas pela embarcação. É de construção portuguesa e totalmente autónomo em dias de sol, produzindo mais energia do que a consumida para se deslocar. O Estevão e a Sandra trabalham com o barco por prazer, contam-nos que os passeios que faziam na ria já eram regulares, num barco próprio, e, quando descobriram o Gaivinha, não resistiram a pegar no negócio.

O passeio é suave, descontraído e silencioso, sendo esta última a característica que mais rapidamente se destaca, contrariando o ambiente ruidoso típico dos barcos a motor tradicional, com clara vantagem também para o ambiente. A Sandra vai contando alguns factos históricos e o Estevão vai completando a informação com alguma geografia e dados de navegação. Durante o percurso para-se para ver os ninhos das andorinhas das barreiras, cruzam-se com pescadores e atletas do Clube dos Galitos e é possível observar flamingos, garças e uma águia pesqueira. Digam olá a quem passa ou por quem passam.

Contam-nos que há embarcações afundadas na ria, o que não se estranha, já que dos estaleiros de Aveiro saíram grandes embarcações durante o período da expansão marítima. Numa delas foi encontrado um astrolábio, datado de 1575, no Canal da Veia, em 1994. Foi o primeiro encontrado em Portugal. No rio Boco (Gafanha da Nazaré) foi encontrado um Galeão do séc. XVI.

Vemos algumas casas, simples, mas decoradas a rigor, com vistosos azulejos típicos da região.

Depois do Canal Rio Novo do Príncipe (onde as duas águas, doce e salgada, se juntam visivelmente) a paisagem muda. Deixamos de ter vegetação de água doce (caniços) e passámos à de água salgada (juncos). Este canal é artificial, criado por ordem do príncipe regente D. João (rei D. Joao VI), depois da abertura da barra, em 1808. O Clube dos Galitos conseguiu que se fizesse aqui uma pista náutica, nos anos 50.

Embarque:

O encontro é junto ao Ecomuseu Marinha da Troncalhada, salinas e Cale do Oiro, na margem oposta à marina da antiga Lota e ao recém aberto restaurante Laguna. O cais onde entramos é partilhado com a Ostraveiro. A Ostraveiro fica na Marinha da Passagem, numas antigas salinas, onde têm a sua produção de bivalves. Reconhecem logo a embarcação, porque os painéis fotovoltaicos vêem-se bem.

Normalmente juntam-se até 10 pessoas, se forem do mesmo grupo, ou até 8, caso sejam grupos distintos, para existir algum distanciamento social. O barco é coberto, dando algum abrigo do sol nos dias mais quentes. Por curiosidade, a empresa tem o selo Clean & Safe, do Turismo de Portugal. Podem embarcar com confiança.

Percurso:

Há vários percursos possíveis, escolhidos conforme a duração do passeio contratado. Passam perto dos passadiços da ria, de algumas casas de pescadores, de zonas onde se encontraram artefactos arqueológicos, como o astrolábio e cerâmica dum mercantel afundado. Vê-se onde as duas águas se juntam e observa-se a fauna e a flora da região, como os ninhos das andorinhas das barreiras. garças e flamingos.

Positivo:

  • atualmente, viajar sem aumentar a nossa pegada ecológica é um desafio, por isso, passear na ria num barco solar é um ponto extremamente positivo;
  • o silêncio, não há ronco de motor durante o passeio;
  • a experiência, não há nada parecido com outros passeios que vos podem ser oferecidos na ria. Para já, porque são as pessoas que tornam as situações únicas, e o Estevão e a Sandra são uma característica deste passeio;
  • numa altura em que se fala tanto de apoiar o turismo nacional, temos aqui um passeio dentro de portas, num barco de construção nacional;
  • o lanche oferecido: vão receber uma flute de espumante da Bairrada, frutas e doces regionais (ovos moles e raivas).

Desvantagens:

  • sabe a pouco, o passeio é tão calmo e silencioso que podíamos ficar ali todo o dia a relaxar;
  • apanhámos um dia espetacular, mas é uma actividade completamente dependente da meteorologia para ser desfrutado a 100%.

Preço:

Há dois tipos de passeios, o mais curto (cerca de 1 hora) custa 14€ e o mais longo (o dobro da duração) custa 28€. Devem reservar antes, enviando um e-mail para info@sterna.pt e a Sandra responde.

Podem ser combinados outros tipos de passeios, só têm de entrar em contacto e eles tratam de tudo.

A nossa experiência:

Num feriado, sem vento, chegámos às 10h ao cais, altura ideal para aproveitar um passeio de barco na ria de Aveiro. A Sandra encontra-se connosco no início do cais e recebe-nos de máscara. Nós também temos a nossa. Com um frasco de gel desinfetante, pede-nos para espalhar pelas mãos e nós assim o fazemos. De mãos desinfectadas, é hora de colocar o colete. Entramos no barco, seremos 7 passageiros.

Passámos nos esteiros Gramato, Espinheiro, Bulhões e Veia. O Estevão apresentou-nos a gramata branca, uma espécie de salicórnia. Servem para salgar os pratos naturalmente, sem a adição de sal. Vemos também São Jacinto, e somos recordados de que a sua Reserva Natural merece uma visita. O silêncio deste passeio é incomparável, num barco solar não ouvem nada, só o casco a romper as águas.

Recomendamos que levem um casaco, pode sempre existir uma brisa. E não se esqueçam das máscaras.

Onde comer:

Não conhecemos pessoalmente nenhum dos espaços que vamos sugerir, mas queremos conhecer: o Ostraveiro e o restaurante Laguna. Ficam mesmo ali ao lado, o Ostraveiro é inacessível por terra, mas produz bivalves, por isso é o espaço ideal para os comer. Já o Laguna é um restaurante-barco, que fica no canal que sai da cidade. Apresentam-se como o único restaurante flutuante da ria de Aveiro.

Onde dormir:

Já falámos tanto de Aveiro e Ílhavo e já demos várias sugestões, mas neste artigo adequa-se falar da grande novidade. Agora é possível dormir na ria de Aveiro num barco-casa. Acomodam até 5 pessoas e inclui pequeno-almoço e piscina exterior. Custa 189€ para duas pessoas e 270€ para 5 (simulação para setembro). Ficam na Marinha da Noeirinha.

365 dias no mundo estiveram no Gaivinha, em Aveiro, a 10 de junho de 2020, a convite.

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3 respostas

  1. Excelente artigo! Traduz na perfeição a manhã que passamos na ria de Aveiro e deixa-me sem palavras para escrever o meu post. Vou ter de citar-vos 🙂
    Até breve, para mais aventuras!

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