Se conhecíamos esta pérola escondida? Nem nunca tínhamos ouvido falar! E é isto que adoramos nas viagens. Fazemos dezenas, centenas, milhares de quilómetros, e descobrimos sempre uma realidade alternativa.
Rio de Onor é uma freguesia de Bragança muito peculiar, dentro do Parque Natural de Montesinho. Já em 1290, D. Dinis falava no Bairro de Rio de Onor. Pertenceu à Casa de Bragança e, em 1784, D. Maria I concedeu alguns privilégios à população. Esta pequena freguesia está dividida a meio pela fronteira com Espanha. Lá está o povo de cima e cá o povo de baixo. Claro que já não é bem assim, para lá da fronteira temos Rihonor de Castilla, mas nada muda o que os habitantes das duas aldeias sentem: são um único povo, com um governo e língua próprios – rionorês.
Chegamos à aldeia e somos recebidos pelos autarcas locais (Município de Bragança e União de Freguesias de Aveleda e Rio de Onor). Vemos a Igreja, a obra de arte urbana à entrada da aldeia, e as amoreiras. Em frente à igreja explicam-nos que a produção de seda já foi muito importante para a região. A sericultura começou a perder a sua força com as guerras liberais, até que praticamente deixou de existir. A forte concorrência asiática e a falta de qualidade de alguns fios ajudaram a afundar a atividade. Desta tradição apenas ficaram as amoreiras brancas, cujas folhas alimentavam os bichos da seda.
Subimos pela rua principal ao encontro do Ti Mariano. Esta figura da comunidade já foi presidente da junta e hoje não faltou à chamada para nos apresentar as tradições de Rio de Onor. Estamos perante uma aldeia comunitária, o que significa que se vive num verdadeiro espírito de entreajuda. É o que muitos apregoam, mas, atualmente, poucos já o poderão provar. Para que a memória não se perca, antropólogos e curiosos têm vindo ao longo dos anos a estudar a aldeia, não deixando margem para dúvidas sobre quão especial este local é – não percam as fotografias e documentários na Casa do Touro.
De forma resumida, explica-nos o Ti Mariano que os terrenos são lavrados e regados por todos, à vez. Todos pastoreiam os rebanhos e todos usam o moinho e os fornos. As matanças dos animais também eram feitas em conjunto. Não cumprir a sua tarefa leva-nos ao conselho da aldeia e a multas, pagas em vinho.
É aqui que entra a vara da justiça, literalmente, uma vara em madeira. Podem encontrar vários exemplares na Casa do Touro). O exemplar que nos começa por mostrar o Ti Mariano é a sua bengala. Deixa claro que não é a verdadeira vara, mas vai servir para a explicação. A vara representa a aldeia, o rio é o risco ao meio. Cada entalhe na vara representa uma família e cada transgressão é apontada. As multas são pagas em canadas – 7,5l de vinho. Perguntamos em tom de brincadeira se há transgressões propositadas pela motivação de haver vinho, mas Mariano diz-nos que não, ninguém quer pagar multas nem ir a conselho.
A aldeia vive num sistema de administração rural, com dois mordomos (um de cada lado da fronteira) e o conselho, onde cada família está representada. Nesta altura, Mariano Preto (88 anos) pede que lhe tragam a vara da justiça verdadeira. Tem um propósito, oferecer a vara da justiça ao Presidente do Turismo do Porto e Norte. O nosso olhar segue o homem que caminha pela rua e regressa com a verdadeira vara na mão.
Não pensem que ser mordomo lhes dá uma posição especial na aldeia. Em qualquer altura pode-se reunir o conselho e pedir a saída dos líderes. Quando isso acontece, é nomeado quem criticou o antecessor, chegando a hora de provar que consegue fazer melhor. Não é um sistema giro? Resumindo o sistema, os mordomos ou todo o conselho aplicavam a justiça e os Homens de Rodra, designados pelos mordomos, representavam a aldeia fora de portas, tanto em reuniões como para fazerem as compras. Não será por acaso que em 2017 Rio de Onor foi eleita uma das 7 Maravilhas de Portugal® – Aldeias.
Claro que todos os sistemas falham e Rio de Onor não será a exceção. Ouvimos o antigo mordomo e ex-presidente da junta falar e explicar as tradições e deveres e pensamos “E as mulheres?”. Será o conselho aberto às mulheres? Poderão elas ser mordomos da sua aldeia? Investigamos, já em casa, e não, não podiam. Mas não estamos aqui para julgar o passado.
Regressando à atualidade, como será que viveram os povos de cima e de baixo durante a pandemia, com as fronteiras fechadas? Essa é fácil, são a excepção à regra! A aldeia, dividida pela fronteira que nem Salazar nem Franco conseguiram implementar, não foi totalmente fechada. Os respetivos governos reconheceram que estamos perante uma aldeia especial e que merece um tratamento diferenciado. A fronteira abriu oficialmente duas vezes por semana (quarta-feira e sábado), para não separar famílias, propriedades e rebanhos e, principalmente, para não desfazer a ligação de Rio Onor e Rihonor. Não contem a ninguém, mas a pé foi sempre possível passar.
Durante a nossa curta estadia pela aldeia deu tempo para almoçar sob as árvores, junto ao rio e à ponte principal, para conversar com as pessoas e visitar a Casa do Touro. Percebemos que do lado português já não há crianças a morar na aldeia. Mas há uma lá em cima, em Espanha. A escola já fechou há muito tempo e cada vez menos pessoas vivem aqui. Tudo o que necessitam existe em Bragança, hoje estão menos isolados, e turistas há muitos. Excepto este ano.
O que visitar
Igreja Paroquial de Rio de Onor: tem uma inscrição de 1811, que se pensa ser de uma remodelação, e Ti Mariano diz que sofreu obras de reabilitação em 1968, pagas por quem tinha dinheiro. É revestida a xisto.
Casa do Touro: Antigamente, o touro que cobria as vacas era apenas um, e ficava neste curral. A casa do touro é, desde 2018, um museu onde se apresentam as particularidades da aldeia. Encontram lá trajes e máscaras, talas, a canada, e a corrente que fechou a fronteira depois do 25 de Abril. Desativados estavam os óculos 360º, que permitem emergir na época em que a casa era habitada pelo touro. Aqui encontram também as fotografias capturadas por Sérgio Fernandez, entre 1962 e 1992, imperdíveis, e o documentário de Michel Giacometti.
Moinho comunitário: o moinho de água pode ser utilizado por todos, como quase tudo na aldeia. Tem um sistema de mós, fica junto ao rio e está reabilitado.
Forno Comunitário: foi mais uma das estruturas partilhadas pela comunidade. O forno era usado por todos.
Ponte romana: é uma ponte do século XIX. Soubemos que o caudal do rio nunca sobe muito, felizmente não sofrem com cheias no inverno.
Arquitectura transmontana: as casas típicas têm dois pisos, em cima habita a família, em baixo guardam-se os animais e os cereais, e têm alpendres. São feitas com pedra de xisto e telhados em lousa. Vemos flores, pessoas à janela, obras embargadas por fugirem à tradição e os garabelhos (aldrabas), a fechadura local.
Tanques comunitários: Junto à ponte vemos os tanques, comuns a tantas aldeias nacionais. Ficam sempre junto a um curso de água e durante anos foram utilizados. Atualmente é mais raro utilizarem-se.
PR11/BGC: este percurso circular de 7km faz-se em duas horas. Começa junto ao parque de campismo.
Onde comer
Nós tivemos a sorte de ser recebidos com pompa e circunstância, numa espécie de picnic, servido junto à ponte. Serviram alheiras, chouriças, pica-pau, salgados, posta mirandesa, fruta, saladas e pão. Tudo era saboroso, como seria de esperar. Sabemos que há também restaurantes, como O Trilho.
Bar da Associação: aqui bebemos o café do dia. É o típico café de aldeia, recebe bem e tem preços em conta.
Onde dormir
Opções não faltam. Não tivemos oportunidade de conhecer, vamos só falar do que vimos anunciado. A Casa do Rio, a Casa da Portela, a Casinha Pequenina, a Casa da Ponte, a Casa de Onor e o Parque de Campismo.
Booking.com
Se quiserem ler sobre a partilha que o Município de Bragança fez sobre a nossa visita, podem fazê-lo aqui.
Recomendações:
- conhecer os dois lados da aldeia (nós apanhámos a fronteira fechada devido à pandemia);
- levar dinheiro vivo;
- experimentar a gastronomia local;
- conversar com as pessoas.
365 dias no mundo estiveram em Rio de Onor a 18 de junho de 2020
Visita a convite do Turismo do Porto e Norte
Voltámos agora em abril de 2023. O Ti Mariano faleceu. A visita desta vez foi feita pelo Sr Domingos, que nos disse que moram 50 habitantes em Rio de Onor, cerca de 20 em Rihonor de Castilla.
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2 respostas
estou a pensar ir lá, muito útil a publicação
Obrigada José, vale mesmo a pena passar em Rio de Onor e conhecer a aldeia comunitária.