Muitos chamam à Estrada Nacional 2 (N2) a Route 66 de Portugal, mas, para nós, esta comparação deve ser feita com a Estrada Nacional 103 (N103). Ambas atravessam os seus países traçando uma linha horizontal no mapa. Uma linha com curvas e contracurvas que percorre 260km, perfeita para amantes da condução. A estrada começa em Viana do Castelo, junto à costa, e termina em Bragança, junto a Espanha. Une o Minho a Trás os Montes, passa pelo Parque Nacional Peneda-Gerês e pelo Parque Nacional de Montesinho, num trajeto com impressionantes barragens e tradicionais aldeias.
Iniciámos o nosso percurso em Bragança. Sabíamos ser uma estrada tortuosa e iríamos percorrê-la de autocarro. O Tiago enjoa habitualmente se não for a conduzir e tivemos algum receio que passasse mal. Felizmente, foram quatro dias muito pacíficos. Neste aspeto, temos de agradecer ao nosso motorista Manuel da Living tours a agradável condução. Enquanto destino turístico, esta estrada ainda tem muito para percorrer, mas une inúmeros destinos portugueses reconhecidos. Ao longo da N103 passa-se em Bragança, Mirandela, Vinhais, Boticas, Montalegre, Chaves, Póvoa do Lanhoso, Braga, Barcelos, Neiva (Viana do Castelo) e bem próximo de Ponte da Barca, Arcos de Valdevez e Ponte de Lima.
Porquê a N103?
O desafio de conhecer a N103 foi-nos proposto pelo Turismo do Porto e Norte e alguns dos seus municípios e nós dissemos logo que sim. Norte de Portugal, gastronomia transmontana e minhota, região de produção de vinho, seis vencedores das 7 maravilhas da doçaria portuguesa, parques naturais, desportos radicais… Só podíamos responder “Partimos quando?”. Foi um prazer procurar o marco do quilómetro 103 da N103. Apenas uma advertência, se quiserem uma foto como a nossa tenham atenção aos aceleras.
Bragança
Começámos em Bragança, onde fica o quilómetro 260 da N103. Fomos até à fronteira com Espanha, à aldeia de Rio de Onor. Na aldeia maravilha fomos recebidos pelo Ti Mariano que nos apresentou a sua aldeia e explicou algumas das suas particularidades, como as faceiras e bezeiras (terrenos e rebanhos comunitários), a vara da justiça e seu conselho, o caravelho (fechaduras) e a tradição do touro cobridor.
Almoçámos com as gentes da terra, numa agradável introdução à gastronomia de Trás-os-Montes. Em Bragança visitámos o Castelo e a torre de menagem, ou da princesa, onde “reza” a lenda que uma princesa apaixonada por um mouro foi feita prisioneira. Este aloja o museu militar, gratuito (fecha às segundas-feiras). O castelo é de 1409, mandado construir por D. João I, exibindo nas suas muralhas quinze torres. Dentro da sua cidadela encontram também a Igreja de Santa Maria e a Domus.
A nossa visita foi feita após as 17h, tendo já encontrado tudo fechado (o que pode ser resultado do Covid). Podem ainda visitar o Museu do Abade de Baçal e a Igreja da Misericórdia. Recomendamos uma caminhada pelas muralhas, percorrendo toda a sua extensão.
Conseguimos visitar o Museu Ibérico da Máscara e do Traje. Aqui conseguem perceber que cada aldeia tem a sua máscara e seu traje, sempre associados à fertilidade das mulheres e terras. Podem encontrar aqui máscaras portuguesas e espanholas. Fez-nos lembrar o Entrudo Chocalheiro, que assistimos este ano em Podence (podem ler aqui).
Vinhais
De Bragança fomos para Vinhais, continuando na N103, para conhecer um projecto muito especial: o Parque Biológico de Vinhais. Explicaram-nos o que pretendem para este espaço, que fica dentro do Parque Nacional de Montesinho, e como tornaram o Parque Biológico Clean & Safe, no período pós-pandemia. O alojamento do parque tem bungalows para 4 a 8 pessoas ou POD’s para 2 adultos. Tem também parque de caravanas e de campismo. O parque, onde existem raposas, javalis, galinhas, patos, burros, outros mamíferos e aves, pode ser visitado sem estadia, com guia (3€) ou sem guia (2,5€). Infelizmente, a piscina biológica não estava aberta nesta altura, mas é um dos pontos altos do espaço. Os pais do Tiago já utilizaram o parque de caravanas e a piscina e recomendam. Inicialmente, pode-se estranhar a presença da vida aquática, mas em nada interfere com os banhos, dando até um belo cenário e uma sinfonia de fundo. Em Vinhais podem visitar o Museu de Arte Sacra e o Parque Verde de Artes e Ofícios. Já agora, lembram-se dos vídeos de divulgação da Feira do Fumeiro de Vinhais? Este evento acontece todos os anos no segundo fim de semana de fevereiro. Vinhais, juntamente com Bragança, Mogadouro, Miranda do Douro e Vimioso, fazem parte da Rota da Terra Fria.
Boticas
Boticas é A Sedução da Montanha a que Miguel Torga, transmontano, chamava O Reino Maravilhoso. A sua loja interactiva de turismo fica dentro do Centro de Artes Nadir Afonso, reconhecido arquiteto e pintor de Chaves, falecido em 2013. Foi um defensor da teoria estética. O centro foi inaugurado em 2013 e venceu vários prémios de arquitetura. Aqui encontram várias obras do pintor e, na loja interativa, ficámos a conhecer o vinho dos mortos. Sobre este vinho, apenas um produtor está certificado, mas hoje ainda se fazem versões caseiras. O vinho é enterrado, hábito que começou nas invasões francesas, para proteger os bens.
Sobre esta região também vale a pena referir que, com Montalegre, é património agrícola mundial, pela sua carne barrosã. Carne que experimentámos no Hotel Rio Beça. Aqui podem visitar também o Museu Rural (Ecomuseu do Barroso), o CEDIEC – Centro Europeu de Documentação e Interpretação da Escultura Castreja, o Parque Arqueológico do Vale do Terva e, em janeiro, a Feira Gastronómica do Porco.
Fomos também ao Boticas Parque, onde passámos umas agradáveis horas a caminhar, conhecendo a zona de pesca desportiva de trutas, os passadiços, o parque de merendas, o parque infantil e os dois alojamentos que o parque possui. Aqui é possível andar de bicicleta, de kayak e fazer caminhadas temáticas. O parque produz também ervas medicinais (provámos uma infusão de hortelã-pimenta e perpétua-roxa divinal) e tem alguns animais.
Montalegre
No percurso de Boticas a Montalegre cruzamo-nos com algumas vacas barrosãs na estrada e fomos recebidos na aldeia de Vilarinho de Negrões com um passeio de barco na albufeira do rio Rabagão, até à outra margem, o Parque de Campismo de Penedones. Para já não existem empresas a fazê-lo comercialmente, mas é um passeio refrescante (com vento, o que foi o caso).
De realçar que aqui já estamos na fronteira do Parque Natural da Peneda-Gerês. Já no interior do parque vimos Pitões das Júnias, uma pequena aldeia que tem poucos residentes habituais, e o seu Mosteiro de Santa Maria das Júnias. Vimos a aldeia do alto, junto à Barragem da Paradela, onde fomos surpreendidos negativamente pela pedreira, mas que foi essencial para a construção da barragem.
Ficámos hospedados junto à barragem da Venda Nova e tivemos um grande jantar de carne barrosã. Fomos ao Assador Barrosão (Venda Nova), onde vimos um marco miliário. Apresentaram-nos a Sexta-feira 13 de Montalegre, um evento que a Raquel ainda não conhecia, mas que atrai milhares a esta festa pagã a cada sexta-feira 13. O ponto alto é uma queimada, protagonizada pelo Padre Fontes. Já assistimos à queimada do entrudo chocalheiro de Podence e podemos dizer que é um misto de excentricidade e tradição, que se resume a terminar bem a noite. Voltamos a repetir que o Norte sabe receber bem.
Seguindo a N103, o “certo” seria seguir pela Póvoa do Lanhoso, Braga, Barcelos e terminar em Neiva, sempre perto do rio Cávado, mas perder o Parque Nacional da Peneda-Gerês? Desviámos pelo rio Lima e visitámos Ponte da Barca, Soajo, Arcos de Valdevez e Ponte de Lima.
Parque Nacional Peneda-Gerês (PNPG)
O Gerês é a região do país de que se fala quando alguém nos pergunta o que deve conhecer em Portugal se procura natureza e descanso. O parque nacional está distribuído por Arcos de Valdevez, Melgaço, Montalegre, Ponte da Barca e Terras de Bouro (22 freguesias). Com o Parque Natural Baixa Limia, em Espanha, forma o Parque Transfronteiriço Gerês-Xurés. É imperdível uma passagem pelos castelos de Castro Laboreiro (lançámos aqui o livro Viagens de Uma Vida, que tem uma história nossa) e do Lindoso, e a geira (caminho romano de Braga a Astorga). Se tiverem sorte podem encontrar o lobo, a águia real e a toupeira-de-água. Uma região de sonho para percursos pedestres, onde podem fazer passeios auto-guiados, com bosques, matas, cascatas, lagoas, serras e barragens, pontes medievais e caminhos romanos.
Há cinco portas para entrar no PNPG:
- Porta de Montalegre,
- Porta de Campo de Gerês (Terras de Bouro),
- Porta de Lamas de Mouro (Melgaço),
- Porta do Lindoso (Ponte da Barca) e
- Porta do Mezio (Arcos de Valdevez).
Também podem encontrar no parque: atividades radicais aquáticas, arborismo, tiro ao arco, BTT, paintball, passeios de Jeep, passeios a cavalo, e muito mais. Para os que querem história e gastronomia, nas aldeias rurais encontram a cultura e hábitos da região. O que não pode falhar é experimentar a gastronomia regional, como a carne cachena (um bovino mais pequeno) e os enchidos.
Ponte da Barca
Apenas uma curta passagem para almoçar aqui, mas suficiente para aprender que Magalhães era daqui (informação contestada por alguns). Fica junto ao rio Lima e o nome do município explica-se pela primeira “ponte” para atravessar o rio, que recorria a barcas que uniam as duas margens. Devem visitar o centro histórico, a ponte medieval, o pelourinho, o jardim dos poetas, o castelo, os espigueiros do Lindoso e o Mosteiro de Bravães.
Recomendamos um almoço no Vai à Fava. O atendimento foi extremamente atencioso e a culinária eleva os produtos da região. Peçam o salame com nozes, produção local, e o folhado de alheira. Não se esqueçam que esta é região de vinhos verdes. O almoço foi harmonizado com vinhos e não há forma melhor de conhecer os da região.
Recomendamos também que aproveitem o rio e marquem com a Aktivanatura uma manhã de stand-up paddle ou kayak. Nós fizemos junto ao Lima Escape.
Arcos de Valdevez
Continuámos desviados da N103, mas dentro do PNPG. Na Porta do Mézio ficámos maravilhados com a organização do espaço. O parque tem várias atividades, uma das mais fortes, na nossa opinião, será o tour para ver as estrelas, da Borealis. Ficámos maravilhados com a cativante aula do guia Hugo, um engenheiro aeronáutico que se dedicou às estrelas. Queremos muito fazer um em setembro. Já se imaginaram no parque nacional, sem luz artificial a poluir o céu, a aprender mais sobre estrelas e constelações? Gostamos de cidades que sabem criar um slogan que nos fique no ouvido e Arcos de Valdevez conseguiu esse efeito com o jingle “onde Portugal se fez”. Esta porta do parque tem uma espécie de Portugal dos Pequenitos adequado à região, a Aldeia dos Pequeninos, com réplicas das casas, da igreja, do fojo, do moinho, das brandas e dos espigueiros. Tem também um parque aventura com arborismo e slide e andámos a cavalo.
Próximo da Porta do Mézio podem visitar os espigueiros do Soajo e o seu centro histórico, e o Paço Giela (este não conseguimos conhecer).
Não podem perder aqui os 24 espigueiros da eira comunitária do Soajo. O espigueiro armazenava milho, onde este ficava a secar. A sua altura protegia as espigas dos roedores e a cruz que se vê no topo dava protecção divina. É dos espaços mais bonitos da região. Se procurarem fotografias tiradas no inverno vão ficar maravilhados. Jantámos no Saber ao Borralho, um restaurante tradicional, onde não faltou simpatia e vontade de nos encher das iguarias da região.
Ponte de Lima
Continuamos nas margens do rio Lima, numa vila que se desenvolveu na duas margens. Aqui passam dois caminhos de Santiago (Caminho de Torres e o Caminho Português). Quem conhece as festas de Ponte de Lima (Feiras Novas) que acontecem em setembro? É das maiores festas minhotas, atraindo multidões à cidade. Tem também o Festival Internacional de Jardins e a Vaca das Cordas.
Conhecemos a cidade de charrete. O Sr. António (Charrete Limarense) explicou-nos que usando o cavalo certo para puxar a charrete, o seu esforço é mínimo. É sempre importante aprender estes factos, principalmente numa altura em que a exploração animal é, finalmente, uma preocupação geral.
Ponte de Lima foi uma vila muralhada. Ainda sobram alguns pedaços das muralhas e duas torres. Devem visitar a Igreja Matriz, atravessar as duas pontes (medieval e romana) e a Igreja de Santo António da Torre Velha. Não conhecemos muito de Ponte de Lima, mas já tínhamos visitado o Museu do Brinquedo Português, uma colecção privada que nos apresenta brinquedos de várias épocas. Podem aproveitar para percorrer a ecovia do Lima, que nós tivemos de adiar.
Quando chegámos ao rio vimos imagens de soldados romanos em tamanho real. A razão é simples, reza a lenda que os soldados de Brutus se recusaram a atravessar o rio, com medo que fosse Letes, o rio mitológico que fazia perder a memória. Brutus provou que não era, atravessando-o e chamando o seu exército pelos nomes, um a um. Navegámos num água-arriba, numa versão construída pelo Sr. Caninhas e o Sr. Abel. Um passeio muito agradável e seguro, que recomendamos. Para almoço, não apostámos no regional arroz de sarrabulho com rojões (já experimentámos no Sabores do Lima), mas numa gastronomia mais “eclética”, no Monte da Madalena, um restaurante no monte homónimo que proporciona uma vista invejável sobre o município. O dia terminou no Centro Náutico Fernando Pimenta, com o próprio atleta olímpico a explicar-nos como viajar se enquadra na sua atividade profissional. Passámos antes pelo Paço de Calheiros, um solar que ainda está na família brasonada, mas onde é possível passar agradáveis dias na companhia do Conde de Calheiros. Ali aprendemos muito sobre a arquitectura do espaço, época de construção, e curiosidades sobre como chegou ali a cama da Rainha Dona Carlota Joaquina.
Foram quatro dias inesquecíveis. Corridos, intensos, mas muito saborosos. Se imaginaríamos que a N103 teria tanto para oferecer? Claro que sim, mas foi melhor do que pensávamos e ficámos com vontade de voltar para visitar muito do que não foi possível nesta viagem. Houve tantos locais que sentimos terem mais para oferecer.
Onde dormir:
Não faltam opções, tudo depende de como quiserem organizar a viagem. Se começarem por Bragança e quiserem começar cedo recomendamos dormir n’O Abel, Hotel Rural (Gimonde) ou no Baixa Hotel, no centro. Se quiserem aproveitar Bragança ao final do dia podem dormir em Vinhais, no Parque Biológico, principalmente se forem em família com crianças. Para casais recomendamos os Pod’s, com bastante privacidade.
Seguindo com calma podem dormir em Montalegre, na Casa de Entre-Palheiros ou junto à barragem da Paradela, no São Cristóvão Nature Country Hotel (nós ficámos aqui). O espaço não está bem decorado, mas tem uma grande piscina e um pequeno-almoço bem servido.
Sugerimos fazer um segundo dia mais longo e desviarem para Arcos de Valdevez para dormir no Ribeira Collection Hotel, um fabuloso boutique hotel, ou no Luna Arcos Hotel Nature. Para uma opção mais rústica, podem optar pela Quinta da Toural. Nós ficámos no Ribeira Collection Hotel, onde babámos com as toalhas 100% algodão, os champôs e gel de banho da Castelbel, e o ótimo pequeno-almoço. Uma localização mais central é impossível, junto à ponte sobre o Rio Vez, com vista do nosso quarto para a célebre frase “Arcos de Valdevez, onde Portugal se fez”.
Quem gosta de aventura e quer um desvio da vila, pode ficar no Lima Escape. Há uns anos ficámos nas tendas tipi e não ficámos fãs. Apesar de serem espaçosas e terem um ar romântico, em pleno verão são quentes durante o dia e, em setembro, achámos frias de noite (além de ter a casa de banho no exterior). Mas é muito melhor que uma tenda tradicional. Também podem recorrer às Casas de Floresta, as suas casas na árvore privadas, ou podem usar o parque de campismo ou de caravanas. Chegando a Viana de Castelo e terminando aí a rota da N103 sugerimos uma estadia no FeelViana, uma versão mais cara, ou na Casa Melo Alvim. Podem também optar por um estadia digna de realeza no Paço de Calheiros, onde o Conde vos irá receber e proporcionar uma estadia excêntrica, repleta de histórias de reis e rainhas, ministros e governos. A propriedade tem piscina exterior, piscina interior, ginásio e campo de ténis.
Booking.comOnde comer
Se estamos a falar de Portugal, já é difícil não comer bem, quanto mais nesta região. É importante que experimentem a carne barrosã e a cachena, e os doces regionais, excessivamente doces para a Raquel, no ponto para o Tiago. Não esquecer a alheira e outros enchidos. Graças às grandes barragens e rios, em alguns locais a truta também é um prato forte da região. Em Arcos de Valdevez têm de provar os seus doces premiados. Não se esqueçam da harmonização com vinhos da região.
Podem experimentar os restaurantes que fomos referindo no texto.
365 dias no mundo estiveram a percorrer a N103 de 18 a 21 de junho de 2020, a convite do Turismo do Porto e Norte
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2 respostas
Muito bem elaborada esta viagem com um senão, Ponte de Lima é Vila não cidade.
Obrigada pela correção. Vamos rectificar.