O dia dos moinhos é a 7 de abril e celebra-se, claro, com moinhos abertos por todo o país. Por todo o país existe Rota dos Moinhos, uns de água, outros de vento, nem todos funcionais. A Rede Portuguesa de Moinhos permite que os proprietários dos moinhos se inscrevam, produzindo um mapa de moinhos abertos para o dia. Tínhamos tudo marcado para ir fazer a Rota dos Moinhos de Albergaria-a-Velha em 2019, mas, se não se recordam, foi um fim de semana extremamente chuvoso e a rota foi cancelada. Decidimos que faríamos por nossa conta quando o tempo melhorasse, mas também não aconteceu. Chegados a 2020, também também não aconteceu, e todos sabemos porquê. Acabámos por encontrar uma alternativa, mas já lá vamos.
A Rede Portuguesa de Moinhos transferiu o evento dos Moinhos Abertos para o fim de semana de 19 e 20 de setembro, mas acabou por cancelar, devido à pandemia.
Um dos concelhos com mais moinhos inventariados é o de Albergaria-a-Velha, terrinha da Raquel. Estes são principalmente moinhos de água, equipamento que tinha uma grande importância na região. O dono das espigas, ou cereal, levava os seus sacos até ao dono do moinho e voltava com farinha. Depois, utilizava a farinha para fazer pão ou broa. Claro que também podia fazer bolos, mas falamos de uma época de muitas dificuldades, a pastelaria era um luxo. A bisavó da Raquel viveu parte da sua vida ativa assim, e a Raquel lembra-se bem de tardes passadas a olhar para cima da mesa onde se amassavam os folares para a Páscoa, ou as broas para serem cozidas em forno de lenha. O pagamento ao moleiro era feito com farinha. Também se moíam os cereais para alimentar os animais, hábitos que alguns moleiros mantêm até hoje.
O programa
A Rota dos Moinhos de Albergaria-a-Velha só divulga moinhos funcionais na sua página, tendo neste momento 11 núcleos (14 moinhos).
O município de Albergaria-a-Velha, em 2019, preparou um fim de semana com um programa em cheio. Envolvia rotas programadas para sábado à tarde, domingo de manhã, domingo à tarde e todo o dia de domingo. A programação de todo o dia incluía um almoço tradicional, e era o único dia que tinha um custo para os participantes (12€). Todos os restantes programas envolviam lanche e animação e eram gratuitos. A Câmara fornecia também o transporte e era um evento de inscrição antecipada obrigatória.
Quando decidimos aderir ao programa da ABVP #euficoemportugal, pensámos em pedir ajuda à Câmara para conseguir finalmente fazer a rota do município. O contacto foi fácil, houve grande abertura, e assim convidámos a Inês do Sempre entre Viagens a ir conhecer connosco os moinhos. Se não se lembram do que era o Eu Fico em Portugal, falámos disso aqui. Foi um dia intenso, para conseguir conhecer todos os moinhos programados.
Moinhos:
Moinho do Porto de Riba, Soutelo: pertence à APPACDM que o recuperou. O espaço envolvente recebe em junho o Festival Romano. É habitual servirem aqui almoços. O festival romano é um grande acontecimento a que queremos assistir a seguir.
Moinhos da Quinta da Ribeira e Moinho de Baixo, Ribeira de Fráguas: pertencem ao Rancho Folclórico de Ribeira de Fráguas e estão inseridos num complexo com um parque de merendas. Pode-se solicitar almoço, com marcação prévia, ou actuação do rancho. É possível também visitar o museu e sede do Rancho e caminhar por um percurso de 8km para subir e descer o rio Fílveda. Infelizmente, estes moinhos sofrem bastante tropelias de desconhecidos que invadem o espaço e danificam os equipamentos.
Moinhos do Regatinho, Vilarinho de São Roque: são dois moinhos em propriedade privada que estão distribuídos por horas. Como funciona este sistema? Por exemplo, um pai tem três filhos, cada filho herda 2 dias de moinho. Cada um desses filhos tem outros três filhos que já não vão herdar dias, mas sim horas de utilização. Vilarinho de São Roque é uma aldeia com bastante actividade e iniciativa, com a sua associação Avilar. Participam no Há festa na Aldeia, decoram a aldeia e fazem almoços sob marcação prévia. Também é possível almoçar ou jantar na casa de um habitante ou realizar um workshop tradicional. Aqui é possível percorrer o Trilho do Linho (PR-1), um percurso circular de 2,5km. Vejam a pagina de facebook da Avilar para percebem como estamos perante uma aldeia dinâmica e cheia de atividades.
Moinho do Chão do Ribeiro, Mouquim: foi adquirido e recuperado pela junta de freguesia, permitindo a sua utilização pelos moradores. Fica num parque de merendas com bastante sombra, ideal para as típicas tainadas. Com marcação prévia, pode-se solicitar pão com chouriço que é cozido ali. Também fazem animação com uma associação local (por exemplo: actuação de concertinas).
Moinho do Maia, Fial: aqui temos um moinho de família recuperado. Chegou a ter três casais de mós, hoje só resta uma, mas continua a existir a casa do moleiro com o forno. Acabámos por descobrir que a avó da Raquel conhece o dono e ainda levámos algumas laranjas connosco, prova da simpatia das gentes da aldeia.
Atafona, Sobreiro: é um sistema de mós diferente do habitual. A força de funcionamento não é a água, mas sim a de um animal. É conhecido como moinho de “sangue”. A mó fica por cima e o animal, ao efetuar um percurso circular agarrado à engrenagem multiplicadora, faz girar as roldanas que farão girar as mós. Deixou de ser utilizado nos anos 50, mas todo o sistema ainda hoje funciona. Aliás, pode ser testado por qualquer pessoa, provando que não era necessária muita força da parte do animal. É o único moinho que não funciona a água, de toda a Rota dos Moinhos da região.
Moinho de S. Marcos, S. Marcos: um moinho de água completamente renovado. Aqui descobrimos mais uns proprietários que conhecem a avó da Raquel, sinal que estamos mesmo em casa. Será, talvez, o moinho com a renovação mais vincada. Não se assustem com a estrada sinuosa até lá chegar, acaba até por dar à propriedade um ar de oásis no meio da floresta.
Moinho Cova do Fontão, Fontão: aqui é nítida a ligação afetiva ao moinho. Estamos perante um espaço preservado e mantido propositadamente rústico, não tendo apenas um moinho de época. Foi engraçado entrar na cozinha e reconhecê-la como uma memória de infância comum, onde as loiças e os objectos remetem para a casa dos avós.
Moinho do Ti Miguel, Fontão: o Sr. Joaquim tem imenso gosto na sua sala com várias mós, todas em funcionamento. O espaço é engraçado, rústico, mantendo-se tal e qual como “antigamente”, estando a ser preparado para um dia poder proporcionar estadias aos visitantes. Sabemos que o Sr. Joaquim cozinha lindamente e pode-se conjugar a visita com um almoço típico. É também possível fazer um workshop do ciclo do pão. O Sr. Joaquim é dos poucos que tem página facebook.
A experiência:
Temos de agradecer ao gabinete de turismo da Câmara de Albergaria-a-Velha que organizou o programa completo e disponibilizou-se para nos acompanhar durante todo o dia. Sem este apoio não seria possível entrar em alguns moinhos e conversar com os seus proprietários. Com eles aprendemos a diferença entre as pedras das mós, pela sua cor ou espessura, o que as torna mais indicadas para certos tipos de cereais.
Conseguimos também perceber que, sendo todos os moinhos propriedade privada, são projectos individuais, por amor ao espaço e à tradição. A maioria dos moinhos é herança de família e mantê-los em funcionamento permite também manter muitas memórias vivas. Muitos passaram a infância nestas casas, ou nasceram mesmo aqui. Percebemos também que a forma de os restaurar e preservar depende muito do gosto pessoal. Uns fazem questão de manter tudo como originalmente, outros modernizam para que se enquadre nos dias de hoje. Alguns exigiram um investimento grande, pois quase só restava a mó.
Apesar de toda a Rota dos Moinhos ser gratuita, é fácil perceber que a manutenção dos moinhos implica custos para os seus proprietários. Muitos aproveitam a oportunidade para desabafar, admitindo não reconhecer a mesma devoção na geração seguinte, confessando terem medo que os moinhos se percam. O que podemos fazer para ajudar? Continuar a visitar estes espaços, divulgar a rota aos nossos amigos, explicar aos nossos filhos que a farinha não “nasce” nas embalagens de quilo que vemos nos supermercados. E aproveitar para mostrar a uma geração habituada à facilidade de pressionar um interruptor para que miraculosamente se “faça luz” que nem tudo precisa de eletricidade para funcionar, e que a própria “luz” vem de sistemas quase tão simples quanto estes moinhos.
No dia da nossa visita choveu muito de manhã, mas isso não foi impeditivo de usufruirmos do passeio. Desde que tenham guarda chuvas ou impermeáveis e botas não se acanhem com a chuva. Excepto a atafona, todos são moinhos de água, junto a rios ou ribeiros, e a chuva até dá mais singularidade à paisagem. Como já fomos referindo, para dias de sol, muitos têm parque de merendas que merecem ser visitados.
Todas as atividades que fomos divulgando, moinho a moinho, carecem de reserva prévia e contacto feito pelo serviço de turismo da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha (turismo@cm-albergaria.pt). O município divulga bastante estas rotas, tendo elaborado mesmo um kit de merchandise com umas belas frases como “comigo ninguém faz farinha” ou “móis-me a cabeça”. As t-shirts e os sacos são vendidos quando há atividades, dando fantásticos recuerdos.
Onde dormir:
Albergaria-a-Velha não é um ex-líbris turístico, mas há três ou quatro espaços que merecem referência. No centro têm a Estalagem dos Padres, que nos recebeu de braços abertos e a um preço simbólico. Como sabem, a pandemia introduziu algumas limitações, neste caso na utilização dos espaços em comum. Temos de agradecer à Catarina que tudo fez para que tivéssemos uma estadia agradável.
Os proprietários da Atafonam do Sobreiro têm um turismo rural em Angeja. O Solar do Alambique tem piscina, jacuzzi e está decorado como uma casa de família, proporcionando estadias familiares únicas.
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365 dias no mundo estiveram em Albergaria-a-Velha a 11 de junho de 2020
Uma resposta
Um dia muito bem passado! Obrigada pelo convite 🙂