A 21 de junho (2022) aconteceu mais um solstício de verão que nos disse “o verão chegou, toca a curtir!”. Como somos bem mandados, assim fizemos. Saímos de Lisboa e rumámos a Monsanto, a convite da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa, para assistir a um evento dedicado ao dia mais longo do ano.
Um dos solstícios mais famosos do mundo é o de Stonehenge (Reino Unido), principalmente para as comunidades druidas e pagãs. Em 2020 foi transmitido online pela primeira vez o nascer do sol do dia 21 de junho, permitindo que milhões assistissem a este evento de sua casa. Um misto de fenómeno mítico e turístico. Mas o que é um solstício? Não vamos entrar com grandes explicações cientificas, mas acontece quando o sol parece parado visto da terra (sol+sistere). No fundo, falamos de uma inclinação da Terra de 23,5º em relação ao seu eixo, ou seja, um dos seus polos está mais próximo do sol. Dependendo de qual for, pode ser o solstício de verão do hemisfério sul ou do norte. Nós, que estamos no hemisfério norte, temos o nosso solstício de verão em junho, enquanto países do hemisfério sul, como o Brasil e Angola, têm em dezembro. Isto relembra-nos que se quiserem viver todo o ano no verão só precisam de estar meio ano em cada hemisfério.
Noite de Solstício
O programa proposto era ver o último raio de sol pousar e dar lugar a uma noite estrelada em São Pedro de Vir-a-Corça, jantar, e já depois de a noite estar adiantada, ouvir lendas e histórias junto à capela pela voz de quem sabe. Assim fizemos: estacionámos, saímos com uma Maria adormecida nos braços e fomos explorar. Já tínhamos cá vindo no final de 2021. Nessa altura Monsanto foi palco de filmagens da prequela da série de culto Game of Thrones (GOT) e nós quisemos perceber porquê. Por sugestão da nossa amiga Ruthia, do blog Berço do Mundo, tínhamos feito um desvio até à capela de São Pedro de Vir-a-Corça, mas estava fechada. Mesmo assim tivemos uma experiência muito especial. Encontrámos um senhor alemão de meia idade que estava a tocar hang drum (ou handpan) à porta da sua van. Explicou-nos que a pandemia o assustou e percebeu que se sentia seguro em Portugal. Conhecem o som do instrumento? É um som muito particular, calmo, místico, tem tudo a ver com aquele local. No solstício, graças ao programa preparado pelos municípios, tínhamos o espaço aberto e pudemos explorar. Até a gruta escavada na rocha estava aberta e os morcegos foram bons anfitriões, não nos incomodaram enquanto espreitámos.
Ouvimos algumas explicações sobre a origem da capela, a sua arquitetura, e seguimos para o jantar. Apesar de parecer que a estrada acaba na capela, ela continua até à Quinta de S. Pedro de Vir-a-Corça, onde as senhoras, Maria incluída, receberam uma coroa de flores. Alguns momentos de música ao vivo e o jantar começou com umas empanadas de beldroegas e queijo de cabra e morcela em ramos de alecrim. Depois passámos para a mesa, onde nos esperavam uns mini adufes. Na Beira Baixa os queijos são especiais e estes chamavam por nós. O rei do jantar foi o borrego merino da região assado em forno de lenha com legumes. Tudo terminou com papas de carolo com frutos silvestres (mirtilos) e amêndoas laminadas. A Maria adora mirtilos, devorou-os e nós só tivemos direito às papas. Conversámos bastante sobre o que conhecemos na região e é maravilhoso quando pessoas que gostam de viagens partilham diferentes experiências e apresentam recantos que muitos desconhecem.
Beira Baixa
Aprendemos na escola a “dividir” Portugal em regiões, mas depois muitos de nós não voltam a pensar nisso e perdem um cantinho muito especial do nosso país. Este é um dos territórios menos conhecidos de Portugal, e foi também por isso que recebemos com curiosidade e prazer estes convites para vos falar do que mais belo a região tem para oferecer. Os municípios da Beira Baixa são seis: Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão. Aqui “nasce o sol e a felicidade” e nós confirmamos. Terras únicas junto aos rios Tejo, Zêzere, Ocrezo, Erges e Ponsul, e às serras da Gardunha, Malcata e Muradal.
São 232km de estradas para conhecer a fundo os municípios. São precisos vários dias para visitar a região, onde podem fazer trilhos, descobrir as aldeias históricas, visitar as praias fluviais, explorar as serras, conhecer a história de conquista da região aos mouros, ir às termas, conhecer cenários utilizados em séries de televisão, saborear a gastronomia ou passear de barco.
Fim de semana na Beira Baixa
Como dissemos, a região é extensa, e a nossa sugestão para um fim de semana é focarem-se em três municípios: Idanha-a-Nova, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão. Se conseguirem mais um dia, Castelo Branco é uma boa opção.
Torçam para que o fim de semana comece com uma sexta-feira de noite estrelada nas aldeias de Idanha. Se chegarem tarde sigam direto para São Pedro de Vir-a-Corça, levem uma manta e deitem-se junto à capela a olhar para o céu. Há algumas luzes de Monsanto que talvez vos “ceguem”, mas a poluição luminosa é baixa comparada com outros locais. Nós gostamos de levar umas bebidas (cerveja no verão, chá ou chocolate quente no inverno) e uns snacks e ficar ali a conversar e observar as estrelas. Se conseguirem chegar cedo explorem Monsanto na tarde de sexta-feira. Se não der, sábado de manhã explorem Monsanto, quanto mais cedo melhor, para não se encontrarem com grupos grandes à vossa volta. Em Monsanto, a aldeia mais portuguesa de Portugal, ainda temos curiosidade em ver como ficaram os cenários da prequela de GOT, filmado nestas ruas e em Penha Garcia, e que se pensa que verá a luz do dia em 2022. Talvez também por isso Monsanto tenha ganho mais turismo, apesar de o circuito das aldeias históricas já ser bastante reconhecido, passando por Almeida, Belmonte, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanha-a-Velha, Linhares da Beira, Marialva, Monsanto, Piódão, Sortelha e Trancoso. Monsanto destaca-se também pelas construções que casam com os penedos na perfeição. Na Beira Baixa ficam Belmonte, Castelo Novo, Idanha-a-Velha e Monsanto.
Junto ao cabeço de Monsanto fica a aldeia. O título de aldeia mais portuguesa de Portugal veio no longínquo ano de 1938, mas nunca mais foi esquecido. Em 1995 juntou-se o de aldeia histórica. A origem de Monsanto é muito antiga, quando coube aos templários protegerem a região do Tejo, reconquistada aos mouros em 1149. Aliás, todas as fortificações da região têm uma história parecida, com o território entregue aos templários e mais tarde convertidos em ordem de Cristo. Monsanto ganhou assim uma fortificação, reconstruída nas décadas de 40 e 50 do século passado. Da cidadela já não resta muito, já que a Torre de Menagem explodiu durante os tempos em que foi convertida num paiol. Uma das coisas giras a fazer é passar por dentro dos Penedos Juntos, que convivem em perfeita harmonia e equilíbrio. Aliás, existe uma harmonia entre as construções e as rochas da aldeia. Famosas são também as suas festas, como as Festas do Castelo, em maio. Há uma lenda que nos conta que em Monsanto, após um cerco de 7 anos, os moradores ganharam a aldeia atirando uma bezerra aos inimigos. Nas festas atiram-se potes de barro com flores para relembrar a lenda da bezerra. Também sugerimos a Rota dos Barrocais, um percurso com 4,5km. Outra sugestão é descer até à capela de S. Pedro de Vir-a-Corça pela calçada romana (planeiem o regresso antes de se aventurarem calçada abaixo), a tal onde dissemos para verem as estrelas.
Tal como dissemos, a HBO não escolheu só Monsanto. Penha Garcia também recebeu as equipas de filmagens de “House of Dragon”. Também tem uma fortificação no topo e foi oferecida aos templários por D. Dinis. Descendo em direção ao rio há uma rota pedestre, a Rota dos Fósseis (PR3). É simples, curta (3km), começa e acaba no largo do chão da igreja. Sugerimos Penha Garcia se forem fãs de GOT, para depois reconhecerem as paisagens da nova série.
Em Idanha-a-Velha temos a antiga Egitânia. Pode parecer que tem pouco que ver, mas não, principalmente se forem viajantes que gostam de se embrenhar na cultura. Apesar de falarmos de aldeias pequenas, foi aqui que sentimos uma maior pureza e simplicidade na aldeia, ou seja, menos exposição, ou menos influência do turismo. Recomendamos um almoço na Casa da Velha Fonte na Casa da Amoreira, falaremos deste restaurante mais abaixo, mas fixem já, almoçar em Idanha-a-Velha.
Idanha-a-Nova é a Cidade Criativa da Música. O adufe é o seu símbolo, feito com pele de ovelha ou cabra, “recheado” com areias, sementes ou caricas, tocado pelas adufeiras. Em julho passa por lá o Boom Festival.
E que tal relaxar antes de jantar? Em Monfortinho, já bem próximo de Espanha, podem fazer uma visita às águas termais com origem na Serra de Penha Garcia. O que torna a região especial são as termas, ideais para tratamentos de pele, sinusites, problemas digestivos e, claro, o bem-estar. Sentimos que a zona habitacional junto às termas já foi maior, que em tempos trouxe mais prosperidade do que se vê agora.
O segundo dia inicia-se no rio. Em Vila Velha de Ródão tudo começa no cais, para o passeio de barco que passa no Monumento Natural das Portas de Ródão. A maior colónia de grifos portuguesa fica aqui. A Raquel estudou na Universidade de Aveiro, sabiam que o seu símbolo é um grifo? Pode ser feito com a empresa Vila Portuguesa, que disponibiliza passeios temáticos, com fado. Os passeios começam nos 15€, com a duração de uma hora, até aos 35€ com almoço, durando duas horas e meia. Não conseguimos fazer e ficámos com pena de ter perdido a oportunidade. Também podem ver aqui o Centro de Interpretação de Arte Rupestre do Vale do Tejo, o Castelo de Ródão e o Lagar de Varas. O castelo do Rei Wamba tem uma história a puxar a enredo de novela. A sua mulher apaixonou-se pelo rei mouro e quis fugir com este. O rei visigodo conseguiu trazer a mulher de volta que, como castigo, foi atirada pela encosta. Reza lenda que por onde a rainha rolou nunca mais cresceu vegetação.
Para a tarde passaríamos em Proença-a-Nova. Há também aqui um percurso pedestre, maior que os anteriores. São 11,4km no PR5- Rota dos Recantos e Recantos. É um percurso circular que começa e termina na Praia Fluvial de Alvito da Beira, onde podem ir a banhos. Gostamos de arquitetura e fazemos desvios em viagens em busca de edifícios especiais. E aqui há um miradouro projetado por Siza Vieira, adaptado numa Torre de Vigia, e a Via Ferrata das Talhadas. A Via Ferrata tem 2.190m e inicia-se na Torre. A Torre de Vigia foi inaugurada a maio de 2021, tem 16 metros, e é a primeira obra de Siza no interior do país. Há também novas pistas de enduro BTT e uma rampa essencial ao parapente e a modelos ariscos. O efeito visual quando bem executada é semelhante à da Serra da Arrábida, a queda serra abaixo, neste caso na Serra da Talhada. Se conseguirem ficar mais um dia, este tem de terminar na Aldeia de Xisto de Figueira. Na aldeia tudo fica em torno do forno comunitário, que ainda coze pão apesar do número de habitantes ser reduzido. O jantar deve ser na Casa da ti’Augusta.
O passeio continuava para Castelo Branco, se conseguissem estender a estadia, como num fim de semana grande com feriado. Não vamos dizer-vos que conhecemos bem a cidade. Já aqui passámos algumas vezes, a regressar de Espanha e para um casamento. Nunca como “turistas” a explorar. Precisamos de regressar com tempo porque a Raquel quer muito conhecer o Jardim do Paço Episcopal. Aqui valem a pena o Museu Cargaleiro, a Torre do Relógio, os Portados Quinhentistas, o Centro Interpretativo do Bordado de Castelo Branco na antiga Domus Municipalis, o castelo e muralhas, a Sé Catedral e o Jardim do Paço Episcopal.
Ficam de fora, mas merecem visita
Ficam de fora deste intenso fim de semana na Beira Baixa Oleiros, Penamacor, e muitos outros pontos de interesse. Queremos visitar Penamacor, perto do natal, famoso pelo seu madeiro. Em Penamacor encontram o Centro de Interpretação dedicado à Malcata, a Torre de Menagem e o Burgo Medieval. Podem visitar a praia fluvial de Melmoa. O nosso icónico lince ibérico vive na serra da Malcata. Em Oleiros encontram a Geo-Rota do Orvalho (8,9km) com as cascatas da Fraga de Água d’Alta e o Miradouro do Cabeço do Mosqueiro. Na junta de freguesia inicia-se o percurso circular PR4-OLR. Para mergulhos recomendam-se a aldeia de Xisto de Álvaro e a sua praia fluvial.
Gastronomia
A gastronomia da Beira Baixa passa muito por cabrito, borrego, queijos e enchidos, nos salgados, e bolos secos, borrachões e bolacha do deserto, mas também temos papas de carolo.
Bolachas do deserto: são uns bolos secos feitos com azeite, da região de Penamacor
Borrachões: são o doce de Idanha-a-Velha, que leva vinho branco e aguardente
Maranhos: é uma espécie de enchido que se servia no cozido. O sabor que o diferencia é a hortelã. Nós já experimentámos e não gostamos.
Onde Comer
Casa da Velha Fonte: conhecem um restaurante que vos faz viajar no tempo? É este. Entram e desconfiam, parece um tasco de aldeia: simples, edifício pequeno, esplanada na praça em frente. Se vos recomendaram este espaço podem até sentir que se enganaram, mas calma, está tudo certo. É Rui de Sousa quem recebe os clientes e é Maria Caldeira de Sousa que cozinha, a chef. Só cozinha com produtos locais e como os romanos faziam. Há uma mistura de carnes com legumes e frutas que casa bem, muito sabor e grandes doses.
Casa da ti’Augusta: primeiro queremos dizer que estejam atentos ao horário e façam reserva, só funciona de sexta ao almoço a domingo ao almoço. Terão uma experiência local, cuidada e saborosa.
O Raiano: em 2021 almoçámos aqui. Apesar de ter pratos de peixe, o forte são as carnes, como cordeiro, veado e javali.
Onde ficar
Hotel Fonte Santa (Monfortinho)
Meliá Castelo Branco
Quinta São Pedro de Vir-a-Corça (Monsanto)
Monsanto Geohotel Escola: ficámos aqui. É um hotel simples, mas simpático.
Sun Set House, Old House (Monsanto), Casa das Jardas (Idanha-a-Nova)
Como chegar
Quem vem do sul – seguir pela A1 até Entroncamentro, apanhar a A23 que vai até Castelo Branco e sair conforme destino (de Lisboa a Monsanto são cerca de 3 horas)
Quem vem do norte – chegar à Guarda pela A25 e na Guarda apanhar a A23 (autoestrada da Beira Interior) que vai dar ao IP2 até Castelo Branco (do Porto a Monsanto são cerca de 3 horas)
Há comboios e autocarros regulares até Castelo Branco. Para um percurso como o que sugerimos os transportes públicos podem não ser uma boa solução.
365 dias no mundo estiveram na Beira Baixa de 21 a 22 de junho de 2021, a convite da CIM da Beira Baixa
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12 respostas
Foi uma pena não terem ficado os três dias, mas, ainda assim, fizeste um texto belíssimo, que honra a Beira Baixa. E que linda surpresa ver-me ali mencionada. São Pedro de-vir-a-Corça é de facto, místico. A primeira vez que ali estive senti uma energia incrível. Na noite do solstício ouvi que é frequente em pessoas mais sensitivas. Nunca me vi dessa forma, mas…
Por mais experiências bonitas como esta.
Beijinhos
Obrigada. Acho que senti aquela boa vibração em São Pedro de Vir-a-Corça pela presença do caravanista alemão. Vê-lo ali em pandemia num local isolado escolhido a dedo, a desfrutar da sua música, não se sentindo sozinho mas sim protegido causou esse bom impacto. Depois voltar e ver a capela aberta foi também muito especial. Quero muito concluir o roteiro. Vamos ver…
Obrigada pelas sugestões. Próxima ida a Portugal vou fazer este roteiro de certeza! 🙂
E vais adorar! Obrigada
Muito interessante, ganhei vontade de conhecer! Uma boa opção de férias na natureza!
Sim. Passa por meios mais pequenos e não deixa de abranger a cidade, com Castelo Branco.
Portugal é tão bonito e com tanto para descobrir, mesmo para quem mora cá! Obrigada pela sugestão.
Verdade! Vale a pena explorar Portugal
Gostei muito, acho que vou seguir esse roteiro 😉
Obrigada. Fazem bem. Vão gostar
Foi uma pena não terem ficado durante a viagem toda, mas vão surgir outras oportunidades com toda a certeza. 🙂
Pois foi. Fiquei mesmo com pena de não ter visto a Torre de Siza e fazer o passeio de barco.