O slogan que ainda hoje Monsanto exibe com orgulho vem de 1938, tempos de Estado Novo. O Secretariado Nacional de Propaganda, organismo de “marketing” do regime de Salazar, lança um concurso para selecionar a aldeia mais portuguesa. A vencedora tinha de mostrar “maior resistência oferecida a decomposições e influências estranhas e o estado de conservação no mais elevado grau de pureza”. O prémio era um galo de prata, a réplica está há 75 anos na Torre do Lucano, ou Torre do Relógio.
Concorreram Vila Chã e Carrazedo de Bucos (Minho), Boassas e Merujal (Douro Litoral), Alturas do Barroso e Lamas de Olo (Trás-os-Montes e Alto Douro), Colmeal e Torre de Bera (Beira Litoral), São Julião de Cambra e Manhouce (Beira Alta), Paúl e Monsanto (Beira Baixa), Aljubarrota e Oleiro de Azeitão (Estremadura), Azinhaga e Pego (Ribatejo), (Ribatejo), Nossa Senhora da Orada e São Bartolomeu do Outeiro (Alto Alentejo), Peroguarda e Salvada (Baixo Alentejo) e pelo Algarve, Alte e Odeceixe. Monsanto ganhou após a final com Paúl e Carrazedo de Bucos. Sabem a parte gira deste prémio? Estava planeado um concurso bianual, mas como nunca houve segunda edição Monsanto permaneceu até hoje a aldeia mais portuguesa. A maioria de nós conhece-a precisamente dessa forma, Monsanto, a aldeia mais portuguesa de Portugal.
Monsanto recebeu o júri do concurso replicando uma festa local e ganhou a 11 de outubro. Que é de um concurso sem uma boa polémica? Paúl tenta impugnar a vitória de Monsanto porque é vila e não aldeia, mas não consegue nada. A entrega dos prémio é em 1939, e o verdadeiro prémio é uma obra de melhoramento, neste caso a estrada entre Castelo Branco e Monsanto, sendo o Galo de Prata um símbolo da portugalidade. Se pensarmos bem nos tempos que se viviam em Portugal durante o regime o que se pretendia era mostrar uma aldeia com habitantes cristãos, nacionalistas, tradicionais, heroicos, pacientes, algum folclore, tradições, romarias, festas religiosas e muito trabalho, geralmente agricultura e pastorícia.
afirmação dum princípio de unidade: a aldeia é a montanha e a montanha é o homem!
Mário de Lisboa, 4 de outubro de 1938
É isto que destaca Monsanto, esqueçamos Salazar, o Estado Novo e a propaganda do Portugal pobre como autêntico. A aldeia vive em perfeita simbiose com os penedos. Nasce em torno do cabeço e penedos podem ser telhados, paredes, grutas e caminhos.
O que visitar
Miradouro da Praça dos Canhões: fica logo à entrada da aldeia. Devem estacionar aqui. Já agora, a aldeia prepara-se para cobrar estacionamento. Na nossa última visita os parquímetros ainda estavam desligados, mas são para ativar.
Igreja Matriz de Monsanto: é do século XV/XVI e de estilo românico.
Junto à igreja temos o Cruzeiro de São Salvador e o Chafariz da Fonte Nova.
No Largo da Misericórdia ou do Pelourinho encontram o… pelourinho. Também fica aqui a Capela do Socorro.
Caminhem em direção à Torre do Relógio e vejam a Igreja da Misericórdia. Atrás da torre fica a rua do relógio e depois a rua de Santo António, onde fica a Capela homónima. Também encontram o cemitério e as Portas de Santo António, uma das entradas na aldeia.
Torre de Lucano: também conhecida por torre do relógio. Já dissemos que têm que olhar para o topo e ver o Galo, símbolo da portugalidade.
Outra das entradas será pela Porta do Espírito Santo ou de São Sebastião. Ficam junto à Capela do Espírito Santo. Fica perto da casa onde habitou Fernando Namora, na rua com o mesmo nome.
Subindo a Rua do Castelo encontram a gruta, o forno comunitário e o restaurante Petiscos & Granito
Gruta: é uma antiga furda. Aproveita-se o espaço vazio entre a junção de vários penedos. Neste caso fechou-se o espaço de modo a criar um abrigo.
Rota dos Barrocais (PR5): começa e termina no Posto de Turismo de Monsanto. O desnível é acentuado, mas o percurso curto (4,5km) e a dificuldade média. Passa pelo Castelo, Capela de Santa Maria, Capela de São João, porta da traição, Capela de São Miguel, Penedos Juntos, Pedra Bolideira e capela de São Pedro de Vir-a-Corça. Passam por furdas, uma espécie de pocilgas para criar os porcos e pela enigmática Laje das 13 Tijelas. Dentro da povoação passam pelo Consultório de Fernando Namora.
Faz ligação com duas rotas, a das aldeias históricas (GR22) e a Rota de Idanha (GR12E7).
Castelo: a região do Tejo estava entregue aos mouros. Com apoio dos templários é conquistada, e estes recebem as terras como recompensa. Estabelecem-se e começam a construir fortificações. Mais tarde passam para a Ordem de Santiago. Do castelo já pouco resta, já que as munições do paiol adaptado no interior explodem numa noite de natal, levando castelo e muralha consigo. Sobram a Torre do Peão (Atalaia) e a de Menagem. Reza a lenda que durante o cerco do castelo, que durava há 7 anos, só restava no seu interior uma vitela e trigo. Inesperadamente alimentaram a vitela com o trigo e lançaram-na sobre o muro do castelo. A vitela despedaçou-se nas rochas espalhando sangue e trigo. Quem desperdiça alimento? Na ideia dos inimigos quem o tem em abundância, provavelmente cansados levantaram o cerco e partiram. Anualmente celebra-se agora a Festa da Divina Santa Cruz. As mulheres vestem as suas melhores roupas, agitam marafonas, pegam em potes caiados de branco e decorados e partem rumo ao castelo. Já no castelo atiram os potes para o exterior, simbolizando a vitela.
Capela de Santa Maria do Castelo: dentro de muralhas temos esta capela do século XVII.
Capela de São Miguel do Castelo: templo românico do século XII. Não tem telhado. Ao lado existe um campanário.
Torre da Atalaia: inicialmente existiam 5 torres no castelo, mas foram destruídas. Restam esta e a Torre de Menagem. A atalaia era uma torre fora do castelo que permite um maior campo de observação.
Penedos Juntos: nos barrocais temos estes penedos que se encaixaram formando uma espécie de passagem entre eles.
Capela de São Pedro de Vir-a-Corça: mais abaixo de Monsanto e na rota dos Barrocais encontramos um antigo ermitério, geralmente fechado. Nós tivemos a sorte de o ver aberto na Noite do Solstício deste ano. É do século XIII, românica e reza a lenda que um eremita que vivia na gruta em frente ajudou uma mulher. Simplificando a história, esta desejou que os demónios levassem o filho e Amador (o eremita) pediu com fé que lhe entregassem o recém-nascido para lhe dar melhor sorte. Assim aconteceu, e uma corça amamentou o bebé até começar a comer. Dizem que os sarcófagos encontrados junto à capela são de pai e filho. D. Dinis atribuiu a carta em 1308 a uma feira que se realizava por ali.
Aqui já nos aconteceu uma coisa gira. Enquanto passeávamos junto à capela vimos uma carrinha, que se percebia ter sido transformada para fazer de “casa” com rodas. Ouvia-se o som duma handpan e fomos com a Maria seguindo o som porque ela adora música. Metemos conversa e percebemos que este alemão, assustado com a pandemia no seu país (Alemanha), decidiu vir percorrer a europa com a mulher e ficando em zonas mais despovoadas e menos turísticas para terem a distância social exigida e a ausência de alarmismo das grandes cidades. Neste momento estava sozinho, a mulher tinha ido a casa por algumas semanas, mas aguardava o seu regresso.
Onde ficar:
Nós só conhecemos o Geohotel Escola, mas sinceramente, recomendamos que em Monsanto o importante é uma experiência imersiva. A casinha de pedra, o mobiliário tradicional. Estamos ou não estamos na aldeia mais portuguesa? Parecem-nos bem a Sun Set House, Old House ou a Casa Ti Maria Pereira. A Quinta de São Pedro de Vir-a-Corça é uma solução também.
Curiosidades:
Da praça dos canhões conseguem ver um Cristo-Rei, mas não sabemos o que representa.
Fernando Namora teve aqui um consultório(1944-46), na rua da Frágua, perto dos bancos da Paciência à porta do Café Monsantino. Foi aqui que se inspirou para escrever “Retalhos da Vida de um Médico”.
Os bancos da paciência pensa-se que terão sido os bancos utilizados pela população que ia visitar os presos ou prestar declarações no Paço dos Concelhos que também poderia albergar a cadeia.
Procurem a casa de uma só telha, na rua do Castelo ou a casa entre penedos.
Zeca Afonso adquiriu aqui uma casa, junto à Rua Fernando Namora.
Marafonas: são bonecas de trapos sem face (olhos, nariz, boca ou ouvidos). Maria Helena Pinheiro é uma das poucas artesãs que ainda as faz, 60 anos dedicados à arte, mais de 70 de vida. É das artesãs mais entrevistadas, mas não tivemos a sorte de nos cruzarmos com ela. A marafona dá sorte aos recém-casados, trazendo felicidade e fertilidade, mas também afasta trovoadas. Para a fertilidade coloca-se debaixo da cama, sem medos, não tem boca, nem olhos ou ouvidos, por isso é como a lenda dos três macacos, não ouve, não vê e não fala, não conta nada a ninguém. Podem colocar-se junto ao gado, para proteção e em Penha Garcia colocam-se à janela em número igual ao de crianças em casa, fazendo de anjos da guarda. As mais pequenas custam 5€ e as maiores 30€.
A HBO filmou em Monsanto e Penha Garcia algumas cenas de “House of the Dragon” que vai estrear agora em agosto. As filmagens foram feitas de entre outubro e novembro de 2021. Não se sabe muito bem como foram e sequer se vamos reconhecer o cenário na série, já que a versão final contará com inúmeros efeitos especiais. Sabemos que foram selecionados figurantes na região e que se fechou o castelo em exclusivo para a HBO.
365 dias no mundo estiveram em Monsanto em 13 de novembro de 2021 e 21 e 22 de junho de 2022
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4 respostas
Esta aldeia é tão pitoresca 🙂
Eu só no ano passado é que a visitei pela primeira vez, e fiquei apaixonada.
Sim, é uma aldeia muito especial e única.
Adoro a fotografia “covid safe” com o alemão. 🙂
Já que falas nisso, acho que falta identificar a autora do clique.