“O Terry tem trazido muita gente ao Pico” dizem-nos no Museu dos Baleeiros quando me vêem de camisola do Cordas. Eu sei, há vários anos que falamos na minha vinda. A gravidez, impossibilidade de encaixar datas, vários foram as razões para adiar. 2025 foi o ano, finalmente estive no Festival Mundial de Música, o CORDAS.
O Cordas é um projecto da MiratecArts, através do Terry Costa. O Terry é um luso-canadiano que decidiu voltar ao Pico e criar na ilha eventos que se estranha não serem numa grande cidade como a capital. Conheci o Terry no Art & Tur, outro festival de nicho. Desde aí vamos-nos cruzando por lá ou na BTL sempre para um abraço e trocar novidades. Há 10 anos que organiza o Festival Cordas, no Pico, provando que é possível descentralizar com sucesso. São vários dias, vários concertos, mas sempre com instrumentos de cordas. Muita guitarra, violas da terra, mas também kora, timple e muito mais. Tem uma coisa gira, chama família aos músicos repetentes, e já são muitos.


Apesar de ter sido convidada sozinha não resisti a transformar uma ida ao Pico num evento familiar e fomos todos. Eu embarquei com a Francisca na sexta, numa corrida contra o tempo que só um taxista antigo ganharia, depois de ter sido abandonada por um Uber. Fizemos escala em Ponta Delgada e até tivemos o susto de ver durante cinco minutos o nosso voo cancelado nos ecrãs. Resolvido o contratempo ainda chegámos a tempo de ouvir um pouco dum concerto, mas já lá vamos. O Tiago e a Maria chegaram no sábado, de carro alugado, para podermos explorar no tempo livre. O Festival disponibiliza vários concertos diários, mas espaçosamente, de forma a que consigam aproveitar na mesma horas livres.
O Cordas
O Cordas é o maior festival de cordofones e envolve toda a Madalena. Há concertos em todos os horários durante 11 dias, na escola, no auditório, no moinho do frade, no museu do vinho, na Galeria Costa, na Igreja Matriz, no Cella Bar. Há todo o tipo de locais, havendo este ano o autocarro Cordas.







A edição de 2025 começou no Dia Mundial da Música, 1 de outubro. Em Lisboa também nós íamos a um concerto, já que é com música que este dia se celebra por todo o mundo. Terminou dia 11 num dia tocado no feminino. Dia 11 tocaram e cantaram Maija Kauhanen, Joana Alegre, Mónica Goulart, Lu Yanan, Wietta Bontempo e Daniela Dahmen Quintas para encerrar.
Maija, a mulher-orquestra que vem da Finlândia com o kantelle, uma espécie de citara tocou dia 12 no Teatro Faialense.
Lu Yanan tem uma relação próxima ao nosso país. Na Expo Mundial de Xangai tocou no Pavilhão de Portugal com o flautista Rão Kyao e dá aulas de mandarim no Porto.

Quanto aos instrumentos tivemos viola da terra, guitarra, violino, banjo, kora, timple, kantele, pi’pa, guitarra portuguesa, surshringar, bandolim, sarod entre outros.








Fotos de: Pedro Silva (Cordas)
O festival não tem só concertos, mas também houve projeção de filmes como o Harmonia dos Açores e o Jalyia e uma exposição de Carlos Farinha, Arte Com Cordas.
O Festival Cordas para mim
Cheguei na sexta a tempo de ouvir o açoriano Cristóvam no Auditório da Biblioteca da Madalena. Gostei bastante, mas a Francisca estava com sono após uma tarde inteira de viagem. Não resisti a ir ouvir mais no Spotify, depois de a deitar. Lembram-se da música de 2020, durante a pandemia, Andrà tuttu benne? É dele.

Na manhã seguinte peguei na Francisca e fui até à Galeria Costa. Ouvir a história da família do Terry naquele terreno, na Candelária, uma antiga vinha que ele transformou num espaço à sua medida de amante de arte, foi interessante e até dei um ramo fresco de alecrim a cheirar à Francisca. O Tiago e a Maria chegaram nessa altura e a Maria teve tempo de conhecer uma néveda ao vivo e cores.
Houve pequenos concertos pelo espaço. A Galeria está sempre aberta e pode ser visitada. Há uma nova obra feita pela artista Andreia Sousa, que lidera o projeto Com(cordas).


De lá seguimos para o Cella Bar, onde várias pessoas iam a banhos na piscina natural. Mais uma vez um concerto, dos jovens madeirenses. Achei relaxante ver uma turista no AL em frente a beber o seu café à porta com vista para o mar, enquanto lia.



No Museu do Vinho tivemos um concerto de dois madeirenses que iam explicando o que iam tocando e como. É um ambiente mais intimista, onde o público se senta no chão para ouvir. Sentimos mais dificuldades aqui em sossegar as duas miúdas e acabámos por sair a meio do concerto para explorar o museu. Chovia, mas conseguimos ver o mirante para as vinhas, os dragoeiros e desistimos no lagar. O Museu durante os eventos não cobra entrada. Os funcionários do museu foram impecáveis, deram-nos várias dicas de restaurantes nas Lajes do Pico.


À noite ouvimos a Rita Costa Medeiros, uma repetente no festival, com a Sofia e a sua viola da terra a tocarem as músicas do seu álbum que tinha à venda. Apesar da sua melodiosa voz ter adormecido a Maria, mostrou que tem noção do papel do artista no palco e apelou às pessoas para terem cuidado nos tempos difíceis que se avizinham enquanto sociedade.

No domingo foi um ponto alto, ouvimos Mbye Ebrima, da Gâmbia, mas atualmente a residir em Lisboa, tocar a sua Korá. Mbye também era a estrela do documentário (Jalyia) que foi exibido antes da sua atuação. Para além de ser exímio a tocar, tem uma facilidade na comunicação com o público, mesmo com o seu português arranhado. Falou da sua música como forma de expressão de serenidade ou zanga. Explicou como se toca a korá de 24 cordas. Eu tinha percebido logo que era boa pessoa na véspera, quando cruzando-se connosco fez questão de se meter com a Francisca e lhe dizer olá voltei a perceber depois do seu concerto quando voltou a falar com a Francisca e mais tarde me pediu videos da sua atuação.

O Cordas é um evento de nicho, mas para todos. Mesmo quem não percebe nada de música só precisa de ir de coração aberto e deixar-se levar. Pela minha experiência as crianças adoram música, e vibram mesmo que não aguentem todo o tempo concentradas. Mas porque lhe chamo um festival de nicho? Nunca será um evento que atrairá massas de gente, porque não é um festival com grandes nomes POP, marcas patrocinadoras ou barracas de bebidas. Quem vai sabe que vai assistir a uma pérola escondida. Mesmo assim houve nomes bastante relevantes no meio da música, por exemplo Frankie Chavez e Joana Alegre, filha do poeta.
Antes e após a nossa estadia aconteceram concertos incríveis, como o tributo a Carlos Paredes, e até houve entrega de prémios. Terry entregou o prémio Atlante de que é curador à Marta Pereira da Costa. Marta Pereira da Costa e a sua guitarra portuguesa que leva o fado ao mundo. “O Prémio Atlante significa persistência e ousadia no mundo das artes”, lê-se na página da MiratecArts. Costuma ser uma premiação anual, sem candidaturas e da responsabilidade de Terry.


Fotos de: Pedro Silva (Cordas)
Nota Pessoal
É importante perceber que estes eventos só acontecem graças a mentes visionárias, neste caso do Terry, que procuram apoios incessantemente para dar corpo ao que sonharam. A população, muitas vezes não valoriza o esforço e encargos que criar um festival destes obriga. É crucial criar uma rede patrocínios e parceiros, é essencial que os municípios e entidades governamentais paguem para que o povo possa ir de graça ou quase de graça, é também preciso que os negócios locais sejam parceiros da organização e se dediquem a receber artistas e publico durante os dias do festival. À população cabe o papel de ir, sempre que possa, divulgar, convidar amigos de outros lados a virem visitar o Pico nessa altura e que mesmo quando os concertos são gratuitos (este ano foram muitos, pelo décimo aniversário) tirar bilhetes e se possível fazer uma doação. Se o vosso município apoia eventos destes agradeçam e aproveitem.
Viola da Terra

São vários artistas de várias nacionalidades, mas com muita viola de dois corações. É aqui que fico admirada, viola de dois corações? O que será? Explicam-me que é (e verei depois no auditório) uma viola de arames com duas aberturas em formas de coração. O seu significado pode ter sido romantizado, mas diz-se que quando emigra se deixa um coração e se leva o outro, estes dois corações estão unidos por um cordão e termina numa lágrima ou na vontade de vencer. A viola de dois corações é uma viola da terra, do estilo amarantina e de Cabo Verde.
Entre ilhas as violas da terra variam ligeiramente e até vária a forma de tocar, dedilhada ou rasgada.



Viajar através do Cordas
É possível viajar sem sair de casa, lendo livros, vendo videos, ou fotografias, mas para mim um festival internacional de música ou de videos também permite viajar. Como, se não sais da tua região? Então viaja-se através dos artistas de fora que vêm tocar e falam sempre um pouco de si, através das músicas internacionais que trazem ou até através dos instrumentos que contam a história dum pais ou de uma cultura.
Esse foi o caso com muitos dos instrumentos e dos artistas. Mesmo dentro de Portugal viajou-se entre ilhas açorianas e Madeira e até ao continente. O Terry conseguiu levar-nos pela Europa, Ásia, África e América. O Cordas levou-nos às Américas, à Finlândia, às Canárias, à Gâmbia, à China, ouviu-se falar várias línguas, várias formas de vestir, as culturas misturaram-se sempre com sucesso.
Néveda
No auditório existe uma bancada que vende t-shirts, álbuns dos artistas e os livros editados pela MiratecArts.
O Terry criou uma coleção de livros que enaltecem os Açores com a sua personagem local, a néveda. Uma flor da região que nos livros viaja, não só pelas ilhas, mas também pelo mundo. Diríamos que é a primeira coleção infantil de livros de viagens que conhecemos. A Maria adora os livros e tivemos que trazer o último, lançado no dia 19 de setembro.
O livro foi oferecido às nossas filhas pelo Terry que escreve os livros com ilustrações de Vera Bettencourt.
Os livros são publicados pela MiratecArts, que também tem direitos das versões portuguesas de outras obras ilustradas.
Já agora fica a nota que é possível encontrar os livros na Feira do Livro de Lisboa e Porto.
A néveda é uma planta dos Açores que é prima das mentas e dos orégãos e da família das Lasniáceas. É usada em chás e licores. Nasce de forma espontânea e pode ser utilizada para efeitos medicinais ou tempero. Tem um cheiro mentolado.
Coleção Néveda
- Néveda nos Açores
- Néveda nas Américas
- Néveda na paisagem da cultura da vinha do Pico



Fotos de: MiratecArts
Como aproveitar o tempo livre no Pico
É na ilha do Pico que se encontra o ponto mais alto de Portugal, a montanha homónima. Subir o Pico é a atividade de eleição na ilha. Podem subir ao final do dia e acampar para ver o nascer do sol, subir de madrugada para ver o nascer do sol ou subir à tarde para ver o por do sol. Os melhores meses para subir são de junho a setembro. Se o quiserem fazer recomendados que se preparem antes de vir.



A Igreja Matriz, para os devotos e os que gostam de ver igrejas, também é palco desta edição do festival. Há outras igrejas pela ilha.
Para quem gosta de museus há vários, o Museu do Vinho, que é palco do Cordas, o Museu dos Baleeiros, que fica nas Lajes do Pico, o Museu marítimo da Construção Naval (temporariamente encerrado) e o Museu da Industria Baleeira em São Roque.





Podem percorrer a Rota dos Moinhos, sendo o mais fotogénico o do Frade, fica localizado entre as vinhas e com vista para a montanha do Pico. Também é palco do Cordas. Há outros, pelo menos em cada município.



Fechada temporariamente está a Gruta da Torre, mas podem ir ver só o video.



Há inúmeras lagoas para verem, mas a Lagoa Capitão é escolhida pelos amantes de aves.

A Galeria Costa para os amantes de arte e de natureza porque aqui convivem de mãos dadas. Também é palco do Cordas.


E podem fazer algumas rotas, a Rota das Adegas, o Roteiro de Arte Pública e o Roteiro dos Sorrisos de Pedra.



Onde se alojar
Nós ficámos no Porto Velho Boutique Hostel e recomendamos. Sossegado, bem localizado, limpo, e com uma plataforma e quarto acessível. Não tem pequeno almoço, mas oferece café e pastelaria diversa.
Também temos o My Bed in Pico e os Apartamentos Basalto, do mesmo género.
Para quem gosta de Vilas individuais temos as Lava Homes, onde fica o restaurante Magma. Também a Azores Wine Company tem apartamentos e um restaurante que nos dizem ser bom.
Onde comer
Queremos dizer uma coisa, comer nos Açores tem ficado caro. Já em São Miguel tínhamos sentido isso, doses grandes, mas preços altos. Não o dizemos como crítica, mas para que se preparem, facilmente pagarão 20€ por uma refeição.
Fomos atendidos de forma irrepreensível em todos os locais, mas no Ritinha esmeraram-se.
Pastella: a pastelaria abre às 7h o que é ótimo para quem apanha o primeiro voo.
Padaria Andrade: padaria tradicional antiga, mas que serve muito bem.
O Cinco: na sexta-feira mãe e filha jantaram aqui. As doses são grandes, comemos um bife de frango com arroz para conseguir pedir mais rápido que a família israelita ao nosso lado e poder ir deitar a Francisca mais cedo.
Mar Sushi Terrace: dois continentais (da Maia) decidiram vir abrir restaurantes de sushi nas ilhas. A vista é fenomenal, o peixe é dos Açores e fica nas Lajes do Pico.
Ritinha: o Manuel (supomos que seja o dono) atendeu-nos de forma impecável. Tratou do prato da Maria de forma personalizada, fez-lhe um café de criança (espuma de leite) vianda trouxe brinquedos para as miúdas. Pedimos atum (peixe do dia) e misto à Ritinha e era tudo muito bom.
Via: o Tiago escolheu este espaço junto ao hostel propositadamente em busca da SportTV. Os hambúrgueres são bons, a Maria comeu novilho.
Magma: fica nas Lava Houses, é bastante famoso, mas nós não conseguimos ir.
E claro, o Cella Bar. É incontornável que é um espaço que se destaca do restante. Também é palco do festival.
Como chegar
Avião
De avião só pela Sata, nós fomos a partir de Ponta Delgada. A Sata voa diretamente de Lisboa, Terceira e São Miguel.
Barco
De barco pelas linhas verde (Pico, S. Jorge e Faial) ou azul (Pico, Faial). Podem reservar pela Atlânticoline. Por exemplo, ir e vir do Pico (Madalena) a São Jorge (Velas) custa 34€ em outubro.
O Pico tem dois portos de passageiros, Madalena e São Roque.
Como se deslocar
Aluguem carro. Nós alugámos pela Discovercars, com cadeira para a Maria e levámos o Doona da Francisca.
A Raquel esteve no Festival Cordas a convite da Associação MiratecArts de 3 a 6 de outubro de 2025




2 Responses
Obrigado pela partilha da experiência. Até uma próxima.
De nada Terry, foi uma experiência incrível.