Falámos de D. Pedro no Palácio de Queluz, numa visita que fizemos. A parte da história que lhe dá alguma melancolia é a vida de D. Pedro IV, ou D. Pedro I do Brasil. Nasce no quarto D. Quixote do palácio, Pedro, em 1798, filho de D. João VI e de Dª Carlota Joaquina. Os brasileiros provavelmente saberão mais esta parte da história do que os portugueses. Em 1807 a família muda-se para o Brasil, deixando o país em algum descontentamento.
A vida de D. Pedro I
É no Palácio de São Cristovão, no Rio de Janeiro, que a família real vive de 1808 a 1821, e que Pedro se casa com Leopoldina da Áustria. O pai de Lepoldina, o Imperador Francisco I, aproveita o casamento da filha no Brasil para enviar uma equipa de investigadores que trarão à Áustria um acervo de botânica do Novo Mundo. Material esse exposto no Museu de História Natural de Viena. D. João VI volta a Portugal em 1821 e D. Pedro fica Brasil como regente. Pedro foi criado no Brasil e não vê com bons olhos a diminuição dos poderes do país. Dá o famoso grito do Ipiranga, declarando a independência do Brasil a 7 de setembro de 1822. Dizem que é Leopoldina, bem formada e com noções de política e governação quem incentiva Pedro a declarar que fica no Brasil, país que assumiram como seu. Seria chamado o Dia do Fico “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”. São anos de polémicas, como querer abolir a escravatura, e de múltiplas amantes. Este palácio torna-se o Museu Nacional Brasileiro, o mesmo edifício que ardeu em setembro de 2018. Com este incêndio perdem-se anos de história do Brasil e também da sua história conjunta com Portugal e do tempo em que tínhamos um reino unido. Com a morte de Leopoldina, Pedro casa-se com Amélia, nascida em Milão, mas educada em Munique.
D. Pedro I ou D. Pedro IV?
Após a morte do pai (1826) é declarado D. Pedro IV, rei de Portugal, mas abdica em nome da filha Dª Maria II. Seu irmão, D. Miguel, exilado em Viena, aceita casar com a sobrinha para poder regressar. É aceite como regente, pela menoridade da noiva, mas usurpa o trono e, perante os conflitos em Portugal e no Brasil, D. Pedro I do Brasil decide que é tempo de regressar a Portugal para ajudar a filha a recuperar o trono. Juntou apoio em várias casas reais da Europa (Reino Unido, França e Espanha). Passou por Cherburgo na Normandia, foi para Londres e conseguiu vencer o seu irmão, a partir da ilha Terceira, nos Açores. Consegue que se assine a Convenção de Evoramonte a 26 de maio de 1834.
A morte
No entanto, pouco tempo depois, em 1834 e com 36 anos, acaba por morrer vítima de tuberculose, no mesmo quarto que o viu nascer. O quarto resume melhor que nós os 36 anos da vida de D. Pedro, principalmente mostrando como este homem deve ter sofrido ao ver morrer filho atrás de filho. Acaba por se redimir de toda a sua impulsividade na reconquista do trono, combatendo junto com os soldados, ajudando a manter a moral e cuidando dos feridos, exposição que pode ter levado à sua morte.
A história de D. Pedro leva-nos por várias cidades do mundo. De Queluz para o Rio de Janeiro, para Viena pelo seu casamento com uma herdeira de Habsburg, para Munique pelo seu segundo casamento. Nos Açores pela Terceira e Faial para coordenar a tomada do reinado ao seu irmão, para a Normandia, Paris e Londres na união de apoio na luta contra os absolutistas, no Porto durante o cerco e termina em Evoramonte, ou em Queluz, se falarmos na sua morte.
O testamento de D. Pedro
Em 2022, ano que se comemoram os 200 anos de independência do Brasil, D. Pedro tornou-se novamente o assunto em voga e trouxe mais fama à cidade do Porto. Muitos não sabiam que ali se guarda uma preciosidade que alguns consideram uma aberração. A igreja da Lapa protege o coração de D. Pedro, cujas chaves é o Presidente da Câmara quem simbolicamente guarda. Ao todo são 5 chaves, uma da porta com duas fechaduras, uma da grade, uma da caixa de madeira e finalmente a que tranca a urna. Um coração despojado do corpo que manteve vivo há 188 anos deixado em testamento à cidade e que está à guarda da Irmandade Nossa Senhora da Lapa, há 187 anos.
D. Pedro não tem só o coração na cidade, tem uma estátua sua na Praça da Liberdade e o seu coração fez parte do brasão da cidade até Salazar o retirar. Continua no emblema do Futebol Clube do Porto. Criou o jardim de São Lázaro, o Museu Nacional (hoje Museu Nacional Soares dos Reis), a Biblioteca Pública e a Ordem da Torre e Espada, como agradecimento ao apoio da população durante os 13 meses de cerco do seu irmão à cidade.
O regresso ao Brasil
A Câmara recebeu um pedido do Brasil para emprestar o coração para as comemorações e então decidiu-se o inédito, abrir as visitas no fim de semana que antecedeu a viagem e no que marcou o regresso do órgão do Brasil. Para muitos isto não passa de populismo e desperdício de dinheiro, já que o coração viajou acompanhado do próprio Presidente da Câmara do Porto e do Comandante da GNR às custas do Brasil num avião da Força Aérea Brasileira, avião esse que estava na pista quando chegámos do Porto Santo.
E o resto do corpo?, perguntam vocês. Esse já foi para o Brasil. Primeiro foi sepultado na Igreja de São Vicente de Fora (Panteão da Dinastia de Bragança), em Lisboa.
Em 1972, quando o Brasil comemorou 150 anos de independência D. Pedro regressou e foi sepultado no Monumento à Independência do Brasil em São Paulo, com as suas duas esposas. Amélia ainda esteve sepultada em Lisboa, mas foi translada em 1982 e Leopoldina, que tinha falecido em 1826 no Palácio de São Cristovão, no Rio de Janeiro andou de túmulo em túmulo até ao destino final. Tal como agora foi com grande pompa e circunstância, apesar de ter acontecido algo inusitado. O caixão português era 8 cm maior que o destino e o corpo aguardou 4 anos até ter a questão resolvida.
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